Um menino de cinco ou seis anos não guarda na lembrança a sequência dos fatos. Não lembra o que veio antes nem o que veio depois. A memória guarda tão somente um fragmento. E, no mais das vezes, apenas muito tempo após o fato é que compreende a extensão do que foi vivido.
É assim, como uma espécie de flash, que eu lembro da minha primeira Copa do Mundo, a de 1962. Eu tinha cinco anos e morava em Brasiléia. A Copa era acompanhada pelo rádio e a emoção viajava na voz dos narradores. Eles descreviam as bolas raspando nas traves inimigas e a galera delirava.
Mas o que eu lembro mesmo são duas situações: os adultos sentados em torno de um aparelho radiofônico, praguejando quando a emissão falhava e gritando alucinados na hora em que o Brasil fazia um gol; e um carnaval sem pierrôs, confetes ou colombinas percorrendo as ruas da cidade.
Na primeira situação, quando as seleções adversárias evoluíam rumo às traves do Brasil, a impressão que eu guardo é a de um silêncio aterrador. A respiração dos ouvintes como que se mantinha suspensa no ar. E no calor abrasador até as gotas de suor pareciam subir dos pés para as cabeças.
Eu morava num barraco nas proximidades de um local onde carros de boi despejavam o lixo da cidade uma vez por semana. Por conta disso, as moscas eram figuras contumazes em todos os cantos do terreno. Nos dias de jogo do Brasil, porém, elas sumiam. Talvez guardassem energia para a festa.
Da segunda situação, a do carnaval fora de época, o que eu lembro bem e de uma profusão de bêbados e desvairados de toda a espécie trocando beijos e abraços como se jamais fosse haver um amanhã. Tratava-se do bicampeonato mundial e, assim, não éramos mais os vira-latas da bola.
Os instrumentos de sopro e percussão (uma corneta, um surdo e um tarol) da guarnição da Guarda Territorial de Brasiléia se transformaram em elementos de um improvisado grupo de samba, sob a regência do sargento Assis, acompanhado pelo cabo Fernando Arapapá e pelo soldado Zé Chaves.
Lá pelas tantas, quando ninguém mais ouvia muito bem o que estava sendo tocado, juntaram-se aos músicos o pistom de um barbeiro chamado TH, um pandeiro e um reco-reco, ambos nas mãos de bolivianos que não curtiam futebol, mas gostavam de festejar, pouco importando os motivos.
Que eu me lembre essa foi a primeira referência que eu tive do futebol. Acho que foi aí que eu fiquei apaixonado pelo esporte. Tanto que até tentei ser jogador, uns anos depois. E, não conseguindo, me danei a escrever sobre o tema. O som daqueles instrumentos até hoje ecoa na minha cabeça!