Tragédias

A dor da gente não sai no jornal. A dor da gente machuca o peito, revira as entranhas, esvazia o corpo por dentro, molha o rosto de lágrimas, mas não sai no jornal. O que sai no jornal é só a notícia fria da imensa dor da gente. O sentimento, entretanto, este nada é capaz de representá-lo.

Essa tragédia com os dez garotos da base do Flamengo, imolados enquanto dormiam numa terrível fogueira de insensatez, é o último exemplo disso. Gastam-se pilhas de papel, consomem-se telas de computador, usam-se minutos infindos na televisão e ainda assim a gente não mensura a dor.

Da mesma forma, a gente não é capaz de saber o tamanho do sonho dos meninos que pereceram. Dizer que todos eram talentosos e que almejavam se tornar profissionais de futebol e ganhar muito dinheiro é muito pouco. O sonho de cada um só eles é que sabiam. Só eles e mais ninguém.

Naturalmente, alguns deles jamais conseguiriam chegar ao topo do mundo da bola. Mas esse não é o problema. A questão maior é a de que eles não tiveram tempo de saber onde poderiam chegar. A fé, a alegria de jogar bola e o sonho de maravilhar plateias desapareceram entre labaredas.

O mundo se quedou comovido ante o fim coletivo dos garotos. Colhidos nas asas da morte enquanto dormiam, muitos sequer puderam esboçar uma reação. A rota de fuga apontava uma única porta de saída. Dormiam num contêiner. Ainda que acordassem, talvez não escapassem.

Jamais me ocorreu que um contêiner pudesse servir de dormitório. Que eu saiba, um contêiner serve para transportar carga em navios. No futebol brasileiro faz as vezes de abrigo e de armadilha cercada de espuma e placas de metal. Quem haveria de reclamar, se a glória poderia estar bem ali?

Na Idade Média, bruxas eram queimadas em fogueiras nas praças públicas. No mundo contemporâneo, o sacrifício é o de aprendizes de alquimistas. Magia lá e cá. Elas pretendiam cozinhar poções para melhorar a vida; eles só queriam transmutar a matéria para fazer soar a alegria.

O Brasil, aliás, já que eu me meti no assunto, tem vivido uma absurda sequência de tragédias. Algumas bem anunciadas, como os rompimentos de barragens em Minas Gerais. Outras que ninguém ousaria imaginar, como essa dos meninos do Flamengo. O transe do país estampa-se no nosso horror!

A dor da gente não sai no jornal. A dor da gente é não saber estancar os minutos passantes. A dor da gente é não esperar os finais infelizes. A dor da gente afoga de lágrimas o coração. Mais de uns do que de outros. Mas de uns e outros, com certeza. A dor da gente é não segurar as estrelas cadentes!