Gilmar em foto atual. Foto/Francisco Dandão.

Gilmar

Francisco Dandão

Gilmar Sales Bento, nascido no bairro da Base, em Rio Branco, no dia 29 de agosto de 1961, passou a infância dividido entre duas paixões: pescarias com tarrafas e peladas na beira dos barrancos do rio Acre. As tarrafas eram fabricadas pelo pai dele, artesão famoso no ramo. E as bolas, essas surgiam todas os finais de tarde pelas mãos dos mais diversos vizinhos.

Mas Gilmar jamais sonhou em se tornar um jogador de futebol famoso ou, muito menos, profissional. Dos 8 aos 17 anos ele só queria mesmo era se divertir jogando bola. Tanto que o seu universo futebolístico se limitou até então aos times do bairro onde nasceu. Primeiro o Brasil do Buldogue, depois o Escrete de Ouro e o Canarinho, ambos do radialista Campos Pereira.

No início de 1979, porém, depois de disputar um Campeonato Intercolonial pelo Canarinho, ele foi levado pelo mesmo Campos Pereira direto para a seleção acreana de juniores que se preparava para disputar o campeonato brasileiro da modalidade. Desconhecido dos demais jogadores, foi uma surpresa quando ele virou volante titular já no primeiro treino.

Atlético Acreano – 1980. Em pé, da esquerda para a direita: Ilzomar, Pintão, Targino, Lécio, Tadeu e Chiquinho. Agachados: Raimundinho, Neivo, Gilmar, Pintinho e Paulinho Pontes. Foto/Ilzomar Pontes

“O dono da posição era o Edson Izidório. Ele estranhou quando eu cheguei para ocupar o lugar dele. Mas depois me disse que eu merecia. Nós fomos jogar em Roraima. Aí, na volta, foi que eu comecei a vida de atleta federado. Fui para o Atlético. Mas não entrei no time logo não. Tinha muita gente boa no meio campo. Até fiz alguns jogos como lateral”, disse Gilmar.

Casa, mesa, luz e dinheiro

Em 1980, embora o futebol acreano ainda fosse amador, Gilmar passou a viver exclusivamente do seu trabalho com a bola, fazendo um bom contrato com o Galo. “Eu passei a morar na sede do clube, junto com outros jogadores, com direito a dinheiro, comida e roupa lavada. Basicamente, só atravessei o rio. Passei da Base [bairro] para o segundo distrito”, afirmou ele.

Depois de quatro temporadas no Atlético, Gilmar foi para o Independência. Para mudar de clube, o volante ganhou um bom dinheiro, a título de luvas. Emais um emprego público, além deum salário “por fora”. Mas ele não entrou no time logo. É que o titular na cabeça de área era o Emilson. E tinha ainda o Merica e o Mário Sales para a mesma posição.

Independência 1986. Em pé, da esquerda para a direita: Paulão, Gilmar, Klowsbey, Delcir, Merica e Cid. Agachados: Paulinho, Marquinhos, Carlinhos, Mariceudo e Cardosinho. Foto/Luiz dos Santos

Ficou três anos no Independência, voltando ao Atlético em 1987. A mudança de camisa o fez perder o emprego público dado pelo Independência. A direção do Galo, porém, tratou de cobrir o prejuízo. Voltou titularíssimo, formando um meio campo de respeito com Tinda e Carlinhos Bonamigo. Voltou para ajudar o Galo a ser campeão depois de 19 anos.

“Aquele título do Galo nos rendeu um mês de comemorações. Eu, o Dim e o Ley [atacantes do time campeão] colocávamos o técnico Júlio D’Anzicourt dentro de um fusca e saíamos tomando cerveja em tudo que era bar do 15 [bairro]. Cerveja e tira-gosto, que ninguém é de ferro. Tudo na base do 0800, que os comerciantes não nos cobravam nada”, declarou sorrindo.

Bicampeão profissional

No último ano do regime amador no futebol acreano, 1988, Gilmar defendeu o Rio Branco. Foi uma passagem rápida. No ano seguinte, o primeiro do profissionalismo, o volante já estava no Juventus. Sagrou-se bicampeão estadual 1989/1990 pelo Clube da Águia. Em 1991, jogou pelo Estrelão e pelo Tricolor. E aí voltou para o Galo até encerrar a carreira.

Juventus 1989. Em pé, da esquerda para a direita: Marquinho Amor, Ilzomar, Gilmar, Gerson, Paulão e Ricardo. Agachados: Paulo Henrique, Dim, Ivo, Ley e Siqueira. Foto/Acervo Francisco Dandão.

Em 1998, surgiu um novo desafio para o aposentado volante. A convite de um diretor do Independência, ele virou treinador. E foi campeão logo na estreia na nova função, “apesar do time caseiro”, como ele gosta de frisar. A carreira de treinador durou até 2013, passando ainda pelo Vasco da Gama e pelo Atlético. Mas ele garantiu que não quer mais saber disso.

Seleção Acreana 1989: Em pé, da esquerda para a Direita: Toninho, Ilzomar, Anderson, Sabino, Merica e Chicão. Agachados: Venícius, Jorge Jacaré, Gilmar, Carlinhos Bonamigo e Marquinho. Foto/Blog do Ilzomar Pontes.
Rio Branco 1991. Em pé, da esquerda para a direita: Chicão, Ilzomar, Gersey, Gilmar, Ney e Carlinhos Magn. Agachados: Jamerson, Cangerê, Venícius, Siqueira e Merica. Foto/Acervo Merica.

“Não quero mais ser treinador nem que surja uma proposta em dólares, me pagando muito. Chega uma hora que a gente cansa de trabalhar com criaturas de caráter ruim. O mundo do futebol tá cheio de gente assim. Nos últimos anos, quando eu treinei o Atlético, só o fiz para ajudar o amigo Edson Izidório, que era o presidente do clube. Mas isso acabou”, garantiu Gilmar.

Aos 58 anos, Gilmar ainda ostenta o físico dos tempos de atleta. Ele disputa campeonatos de másters, pelo time Amigos do Acre, e mantém a forma batendo peladas às sextas-feiras, no Sindicato dos Trabalhadores Fazendários do Acre (Sinfac-AC). Além disso, pratica futevôlei na Associação Atlética Banco do Brasil (AABB), às terças, quintas e sábados.

(Texto originalmente publicado em Futebol Acreano em Revista – Dezembro de 2019 – Edição nº 9)