Em 1979, o goleiro José Augusto em pose. Foto/Acervo Chicão Araújo

Um tributo ao ídolo José Augusto

Foi com uma mistura de surpresa com muita tristeza que eu recebi a notícia do passamento do amigo José Augusto de Araújo Faria. Ídolo do profícuo futebol acreano que revelou grandes craques que faziam a alegria da torcida no velho e lendário estádio José de Melo.

Mesmo morando em Manaus-AM, sempre estou atualizado com os noticiários esportivos acreano, assim me pegando de surpresa a morte do querido José Augusto, pois sequer sabia que ele estava doente ou internado em estado grave por conta da covid-19, doença que assola a humanidade e praticamente mudou a rotina de toda a população mundial.

Enquanto ele deixava o plano terrestre para a eternidade, eu estava completamente fora de área. Sem telefone, internet, rádio ou TV, na zona rural do município de Presidente Figueiredo-AM. Só fui saber da notícia ao retornar, na segunda feira (13). Lembro-me que o meu último contato pessoal com o querido ídolo da minha infância José Augusto foi no início do ano, por ocasião do cumprimento de uma etapa do projeto Amazônia em Coro, ocorrido no Acre. O fato ocorreu precisamente durante um domingo pela manhã, dia 7 de março, enquanto eu tomava um café na Miragina, quando me deparei com aquele homem mais alto do que eu e com alguns quilogramas a mais, mas com o mesmo sorriso de sempre com que me cumprimentava ao me encontrar. Somente a título de registro quero deixar claro que o amigo José Augusto era conterrâneo nosso, tanto ele como eu somos filhos da cidade de Sena Madureira, ele nascido no Seringal Mercês, localidade onde alguns dos meus irmãos mais velhos se aventuraram, por algum tempo, na arte da extração do látex (o tradicional leite de seringa).

Numa viagem ao tempo, lembro que, na nossa casa, todos torciam pelo Independência, aliás, todos, não, eu era do contra, pois o meu time de coração sempre foi o Juventus, clube que José Augusto ajudou a fundar, em 1º de março de  1966, quando ainda faltavam 39 dias para ele  completar 17 anos.

Juventus – 1966. Em pé, da esquerda para a direita: Tinoco, Pedro Louro, Carreon, Carlos Mendes, Campos Pereira, Zé Augusto e Antonio Anelli. Agachados: Escurinho, Nemetala, João Carneiro, Zé Melo e Elias. Foto/Acervo Francisco Dandão.

 

Na história futebolística acreana não resta dúvida que o Juventus nasceu grande. E, prova disso, seria confirmada ainda no primeiro campeonato que o clube disputou isso na temporada de 1966, quando com uma equipe jovem e com poucos jogadores experientes, ergueu a taça de campeão, façanha essa repetida por mais de uma dúzia de vezes.

Naquele primeiro ano de fundação, o time juventino era magnífico e recheado de bons jogadores. No gol, o baixinho, mas espetacular Tinoco revezava a posição de titular com o jovem e promissor José Augusto; a zaga era formada por Carlos Mendes, Pedro Louro, Júlio D’Anzicourt e Estevão; na meia cancha estavam os craques Carreon e Romeu; e o ataque era, sem dúvida, o melhor da época: Elísio, Touca, Aírton e Ernani. No gol, José Augusto se destacava desde cedo por sua forte personalidade e capacidade de liderança, que muito o ajudou na vida após a carreira futebolística.

Digno de registro uma partida amistosa ocorrida na temporada de 1966, quando o poderoso Flamengo (RJ), em amistoso realizado no estádio José de Melo, não passou de um empate por 2X2 contra o Juventus. O goleiro José Augusto, em noite pra lá de inspirada, parou o ataque rubro-negro, façanha essa que despertou o interesse da diretoria flamenguista. Meses depois, José Augusto foi para o Rio de Janeiro, onde integrou o elenco do time juvenil do Flamengo no período de 1967 e 1970.

O retorno ao Acre custou ao arqueiro um período de cumprimento de estágio obrigatório de um ano pela transferência. Um ano depois, o Independência surpreendeu a todos e anunciou o goleiro José Augusto como um dos principais reforços do clube para a temporada de 1971. No Tricolor de Aço, ele conquistou dois estaduais numa época de futebol competitivo. A primeira em 1972, cuja decisão só aconteceu em 1973, no imbróglio jurídico que gerou a famosa “quarta partida”, ao lado de Pitéo, Jorge, Palheta, Flávio; Eró e Escapulário; Mundoca, Aldemir, Bebé e Tonho. E campeão novamente em 1974, integrando o time titular tricolor ao lado de Chico Alab, Roberto, Palheta (também falecido por covid-19) e Flávio; Escapulário e Augusto; Bico-Bico, Aldemir, Rui e Júlio Cesar.

Independência – 1974. Em pé, da esquerda para a direita: Zé Lins (diretor), Flávio, Chico Alab, Escapulário, Palheta, Deca e Zé Augusto. Agachados: Bico-Bico, Aldemir Lopes, Rui Macaco, Augusto, Júlio César e Tonho. Foto/Acervo Zacarias Fernandes.

 

E essa afinidade da minha família com José Augusto não era simplesmente de vestir a camisa tricolor e ir ao estádio José de Melo. Lembro-me que todos os meus irmãos mais velhos (Sebastião, Maurício, José e Jaime) foram taxistas, em Rio Branco, no começo dos anos 70, mas o meu terceiro irmão, o José, conhecido na época como “Joinha”, tinha uma afinidade ainda maior com o José Augusto, isso pelo fato dele dirigir um taxi de propriedade do ex-goleiro. E essa relação de comercial também ampliou ainda mais a amizade entre nossa família é o então goleiro tricolor José Augusto, tanto que era comum naquela época o nosso querido José Augusto almoçar conosco. Lembro-me, eu ainda criança, com meus 12 anos, e ele (Zé Augusto) já com 24 anos e goleiro campeão pelo Independência, puxarmos longas resenhas sobre futebol. O bom relacionamento era tanto que, algumas vezes, eu brincava de cobrar pênaltis contra ele. De vez em quando ele me deixava fazer uns gols no quintal lá de casa.

Os anos se passaram e o meu afeto de admiração era tão grande pelo amigo e goleiro José Augusto que, mesmo sendo torcedor do Juventus, eu costumava ir ao estádio Marinho Monte – CT do Independência, para acompanhar  os treinos do tricolor, pois, além de ser pertinho lá de casa, eu aproveitava para assistir ao vivo as boas defesas do José de Augusto.

Seleção da FAD – 1979. Em pé, da esquerda para a direita: Lécio, Chicão, Mário Sales, Pintão, José Augusto e Carlinhos Bigode. Agachados: Mário Vieira, Eli, Manoelzinho, Carioca e Pistolinha. Foto/Acervo Chicão Araújo

 

Também lembro que, no espaço do Marinho Monte, eu brincava com os jogadores tricolores e observava a liderança natural que o José Augusto exercia sobre o time. No entanto, pelas conjunturas do destino, os laços da minha família com o José Augusto foram cortados a partir do ano de 1976, quando fomos morar na cidade Manaus. O tempo passou e, quando retomamos o contato com o nosso ídolo, pouco mais de uma década depois, ele já tinha trocado as luvas pela responsabilidade de fiscalizar as ações de nossos administradores públicos, isso exercendo a função de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.

Ídolos. No ano de 2014, no aeroporto de Rio Branco,  a dupla Dadão e José Augusto, hoje morando no céu, tiveram um encontro animado. Foto/Acervo Zacarias Fernandes.

 

Digno de registro neste espaço ainda o encontro ocorrido entre eu e o José Augusto logo após a Copa do Mundo de 2014. O fato ocorreu no aeroporto Internacional de Rio Branco.  Naquele encontro estava, além do craque Dadão (in memorian), o meu irmão José, torcedor fanático do Independência, que sempre me provocava quando o Tricolor do Marinho Monte tinha êxito nas disputas contra o Juventus. Foram momentos de boas lembranças e puro futebol.

No mais, resta agora guardar as lembranças dessa boa amizade e os bons tempos do nosso saudoso futebol acreano, cujos craques de outrora desfilam hoje pelos gramados do além. Também fico imaginando as conversas dessa turma, hoje num outro mundo espiritual, cujo um dos lideres é o ex-goleiro José Augusto, assistido de perto por Palheta, Dadão, Escapulário, Bico-Bico e tantos outros.

 

Zacarias Fernandes é maestro, professor de música e coordenador do Projeto AMAZÔNIA EM CORO