Consciência negra

Nos primórdios da sua prática no Brasil, o futebol era considerado um esporte de gente que não tinha o que fazer. Apesar disso, só era dado o direito de integrar um time de futebol a malandros de pele branca. Negros que quisessem chutar uma bola precisavam se esconder em campos periféricos.

A coisa era tão feia que na segunda década do século XX, quando o Fluminense descobriu um mulato bom de bola e o integrou ao seu elenco, o dito cujo precisou passar pó de arroz no corpo para branquear a cor da pele. Um truque providencial para driblar a nefasta pressão da então elite racista.

O jogador que usou esse estratagema se chamava Carlos Alberto. Em princípio o recurso funcionou, mas não durou muito tempo. É que no correr de um jogo, o suor do Carlos Alberto foi desfazendo a “maquiagem” e a pele escura da criatura foi sendo revelada. E aí sobreveio a maior das confusões.

Nesse contexto, aí por volta de 1920, o Bangu e o Vasco (ambos cariocas, como o já citado Fluminense) surgiram na história como os clubes que mais cedo se rebelaram contra a odiosa prática de barrar atletas negros nos times de futebol. E depois deles, os outros clubes os foram imitando.

Fiquei lembrando dessas coisas ao ver os jogadores do Vasco, nesse jogo de quinta-feira (19) contra o Fortaleza, antes do chute inicial, erguendo o punho para o alto, em homenagem ao Dia da Consciência Negra, criado no Brasil em 2011. Um gesto de protesto do ponto de vista da simbologia!

Entretanto (como aquela pedra no caminho do poeta Drummond de Andrade?), todas as manifestações do Dia da Consciência Negra não foram capazes até hoje de fazer diminuir o racismo no Brasil, seja nas arquibancadas dos estádios de futebol, seja nas ruas, seja nas redes sociais.

Aliás, muito pelo contrário. Pelo que a gente vê, parece que as manifestações racistas estão cada vez mais fortes. Principalmente, de acordo com a minha percepção, em lugares onde governantes de tendência fascista estimulam o povo com palavras e gestos de ódio às mais diversas minorias.

Todos os dias surgem novas denúncias na mídia sobre xingamentos de brancos contra negros. Nem os processos judiciais tem sido suficientes para deter a insanidade dos agressores. Fico imaginando que talvez a legislação seja muito branda e, dessa forma, não tenha o poder de inibir os debiloides.

É isso. No mais, para fechar esse papo furado de hoje, conto um fato ocorrido comigo, nesse sentido de tratamento pela cor da pele. É que eu tinha um amigo, na adolescência, que mesmo sabendo o meu nome só me tratava por “neguim”. Isso durou até o dia em que eu resolvi chama-lo de “amarelo”.