Viver de amor

Recebi por esses dias, com o autógrafo do autor, um livro de crônicas e poesias recheado de reminiscências e profundo lirismo, intitulado “Escolhi viver de amor”. Costumo ler rápido, mas essa obra, em especial, estou lendo a passos lentíssimos e, não raro, voltando para ler de novo a mesma página.

“Escolhi viver de amor” é o terceiro livro do meu dileto amigo Francisco Antônio Saraiva de Farias, que foi meu contemporâneo enquanto servidores (eu e ele) durante mais de 30 anos na Universidade Federal do Acre. Um cara que sempre exibiu um sorriso largo no rosto amazônida.

No tempo presente, aposentado do serviço público, Saraiva é conhecido como escritor de verbo fácil e memória prodigiosa. Algumas páginas dos livros dele são como fotografias de outra época das florestas acreanas. O que ninguém sabe é que o homem também foi “futeboleiro”.

Sim, o Saraiva foi lateral-direito do Americano (time da Cadeia Velha), no período de 1974 a 1984. Lateral daqueles de não levar desaforo pra casa. Do tipo que só pedia os documentos dos ponteiros depois de derrubá-los no chão. Carniceiro, mas que sabia jogar com a bola nos pés.

O Americano, segundo me contou o escritor, ganhava todos os torneios que disputava nas colônias de Rio Branco, permanecendo muitos anos invicto, alinhando a seguinte formação: Nonato; Saraiva, Amarildo, Jofre e Sulinha; Alfredo, Alemar e Bolinha; Bugi, Gilson e Raimundo.

Reza a lenda que, lá pelas tantas, depois de exibições nos campos do Juventus e do Vasco, Saraiva teria até sido sondado para defender as cores do Clube da Águia e do Almirante da Fazendinha. No primeiro ele seria reserva do Mauro. Já no segundo, ele seria suplente do Carlos Quarenta.

Mas, ainda de acordo com a lenda, ele se desviou das sondagens por duas razões. Primeira: ele teria dificuldade em conciliar os treinos com as aulas do curso de Pedagogia, onde o dito cujo era acadêmico. Segunda: nas horas vagas, ele preferia desfrutar umas geladas no bar do Mané com Sono.

Por uma razão ou outra, o certo é que o Saraiva teve que dar um fim na sua história com a bola aí pelo segundo semestre de 1984, depois de, num dia de chuva, levar um sarrafo de um jogador de nome Raima (irmão do saudoso Cirênio). Um sarrafo tão grande que o homem “desmentiu o joelho.”

Numa época em que a ortopedia e a fisioterapia não eram tão avançadas, o joelho “desmentido” do lateral nunca mais o deixou entrar em campo. Eu penso que o Raima foi um instrumento do destino para fazer o mundo ganhar um poeta e memorialista do porte do meu amigo Saraiva!