MANOEL FAÇANHA
O final da década de 1980 jamais será esquecida pelo torcedor acreano. Reporto-me ao ano de 1989, não apenas por ser o primeiro ano de nosso futebol profissional, mas pela façanha alcançada pelo Rio Branco FC de conseguir o acesso ao tão sonhado Campeonato Brasileiro da Série B, após terminar entre os 16 melhores clubes do Campeonato Brasileiro – Divisão Especial [ao todo eram 96 clubes].
Conjuntura
Naquela época, o Brasil começava a respirar a tão sonhada democracia após 20 anos de ditadura militar. O Estado do Acre era administrado pelo engenheiro Flaviano Melo [PMDB] e a prefeitura local dirigida por um dos velhos caciques do antigo regime militar, o saudoso Jorge Kalume [governador do Acre no período de 19 de setembro de 1966 a 15 de março de 1971]. O apoio ao futebol profissional era tímido e as dificuldades eram enormes.
No cenário nacional, o então presidente José Sarney vivia seus últimos dias de poder e o país respirava a sucessão eleitoral, onde Collor de Melo e Luiz Inácio Lula da Silva bipolarizavam a corrida ao Palácio do Planalto.
Criada a Divisão Especial com 96 clubes
Neste mesmo ano, o Estrelão completava 70 anos de existência e a meta era conquistar o título de campeão acreano, algo que ficou pelo caminho, pois o Juventus foi quem levou o primeiro título da era do profissionalismo. Neste cenário surge a história da criação de um Campeonato Brasileiro [Divisão Especial], onde classificaria os 16 melhores participantes se classificariam para a disputa da Segundona. Uma ideia elogiada de norte a sul do país, restava saber quais seriam os critérios para conquistar uma vaga e o número de representantes por cada Estado, assim como seus representantes.
Conhecidos os 96 clubes, depois de divulgada a tabela dos grupos pela CBF, a Federação de Futebol do Acre foi acusada de favorecer o Rio Branco. Foi um disse me disse na cidade, mas depois da competição, os críticos resolveram reconhecer que a indicação do Estrelão teria sido mesmo a melhor opção.
Em jogada de marketing, Rio Branco contrata o folclórico Jacozinho
Com 10 jogos garantidos na primeira fase, o saudoso presidente Sebastião de Melo Alencar caiu em campo. Entre as contratações apareceu a figura folclórica de Jacozinho, aquele mesmo que brilhou na despedida de Zico no Maracanã, jogando ao lado de Maradona com a camisa verde e amarela e ainda roubando a cena ao marcar um dos gols da partida e sacudindo o Maraca. A chegada do jogador foi uma jogada de marketing e patrocinada pelos empresários José Ferraz [Kapital Máquinas e Veículos Ltda] e Getúlio Pinheiro [Inácio Palace Hotel]. Porém, Jacozinho, à época com 30 anos e chuteiras de número 36, pouco fez no futebol local, apesar de ganhar a simpatia da imprensa, torcida e dirigentes. O tão prometido gol Jacó-Acre ficou desenhado apenas na sua mente e o jogador resolveu de forma amigável rescindir o seu contrato e sonhar com uma transferência para o futebol de Marrocos.
Estreia com pé direito em Manaus contra o Nacional-AM
Ao comando do saudoso treinador Arthur Ribeiro, um zagueiro cearense que chegou a vestir a camisa do Botafogo-RJ, o Estrelão estreou na disputa do nacional com vitória em pleno Vivaldo Lima. A vítima foi o Nacional (AM) e o gol solitário foi marcado por Jair Feitosa. Cinco dias depois, o Estrelão conhecia sua primeira derrota na competição, quando perdeu para o Princesa do Solimões por 3 a 1. Jair Feitosa marcou novamente para o time acreano. O terceiro jogo seguido dos acreanos em solo manauara ocorreu no dia 18 de setembro e o placar foi mais uma vez desfavorável, com vitória do Rio Negro por 1 a 0.
Com 33% de aproveitamento na competição, o Estrelão, enfim, jogou diante de sua torcida no José de Melo, mas acabou esbarrando na forte defensiva do time do Dom Bosco, no empate sem gols. O resultado deixou todos preocupados. Cinco dias depois, a equipe acreana recebeu o Mixto (MT). Naquela situação, o jogo era de vida ou morte. O estreante Manelão, depois de o clube ficar 153 minutos sem marcar um gol diante da sua torcida, mandou a bola para a rede mato-grossense. O técnico Arthur Ribeiro fez o seguinte comentário após a vitória: “Jogamos péssimo, mas vencemos o jogo”.
A vitória contra o time cuiabano deixou o clima mais animado no Estrelão, que seguiu viagem para Cuiabá, onde levou o troco do Mixto, numa derrota por 2 a 0. Com dois gols na bagagem o Rio Branco retornava para a capital acreana com a calculadora na mão, onde apenas uma vitória contra o Princesa do Solimões recolocaria o clube novamente na briga por uma das duas vagas do Grupo A.
Apoiado por um bom público, o Estrelão estraçalhou o time amazonense, numa vitória por 4 a 2. O meia Mariceudo, então com 30 anos, foi o nome do jogo, assim como o veloz atacante Vinícius [autor de dois gols]. A vitória animou o torcedor acreano e, no jogo seguinte, 4 mil pessoas empurraram o time para cima do Rio Negro. O resultado foi uma vitória dos acreanos por 2 a 1 – dois gols de cabeça de Manelão. O triunfo deixou o clube na vice-liderança e praticamente a uma vitória da classificação.
Na batalha do Presidente Dutra, deu Estrelão!
Com o time crescendo na disputa do nacional, o técnico Arthur Ribeiro declarou que o time iria para Cuiabá na busca de uma nova vitória. Num jogo difícil e complicado [o atacante alvirrubro Paulinho acabou expulso aos 19 minutos do primeiro tempo], o Estrelão chegou à vitória na última volta do ponteiro do relógio do árbitro. Depois de uma falta cobrada a favor do Dom Bosco, Venícius testou para frente e ganhou na dividida com o zagueiro para empurrar a bola para a rede do goleiro Jair Metal.
No aniversário de duas décadas do feito, o ex-atacante Venícius relembrou o lance com emoção. “Lembro-me que jogaram a bola na área. Fiz antecipação do lance. O zagueiro deles falhou. Aí usei a velocidade para superar os dois zagueiros. Então o goleiro saiu e fiquei na dúvida de como concluir a jogada, mas na hora deu tudo certo e a bola acabou na rede para a alegria da equipe”, relembrou o autor do gol. O triunfo da batalha contra o Dom Bosco aconteceu num sábado, dia 21 de outubro, no estádio Presidente Dutra. O texto do jornalista Raimundo Fernandes, à época editor de esportes de O Rio Branco, comentou que os bares da cidade de Rio Branco lotaram para comemorar o triunfo estrelado naquele dia. O texto explicava ainda que a vitória deixou o Estrelão na liderança da tabela de classificação do Grupo A, com 11 pontos, um a mais que o Nacional e dois a mais que o Rio Negro, únicos clubes que ainda almejavam a classificação e jogariam no dia seguinte no clássico Rio-Nal. Ou seja, o Estrelão estava a um empate da segunda fase da competição, com o jogo decisivo ocorrendo no José de Melo, contra o Nacional (AM).
A história e os relatos dos jornais da época, assim como do atacante Venícius, dizem que nessa partida contra o Dom Bosco não houve espírito desportivo por parte dos torcedores cuiabanos, pois eles arremessaram latas de cerveja e até urina na delegação acreana, conforme relato da edição de domingo, 22 de outubro de 1989, do Jornal O Rio Branco, que ainda deu destaque para as atuações do atacante Venícius e do goleiro Klowsbey.
Classificação em cima no Nacional (AM)
Dez dias depois da batalha herói dos diabos vermelhos no presidente Dutra, o time recebeu no José de Melo o Nacional (AM). A boa campanha atraiu ao estádio acreano, naquela noite de 31 de outubro de 1989, um total de 5.714 pagantes. Silvinho para o Nacional, aos 13 do 1º tempo, Manelão aos 29 do 1º tempo, e Vinicius aos 41 do segundo tempo, fizeram os gols da partida. No mesmo dia, em Manaus, o Rio Negro venceu o Mixto por 2 a 0, assim também avançando na competição.
Feliz com a vaga assegurada, o técnico Artur Ribeiro fez o seguinte comentário “Quem trabalha, Deus ajuda”. Autor do gol da vitória, o atacante Venícius ganhou, à época, de premiação, NCz$ 1.000,00. Essa era a nona partida sem derrota do Estrelão no José de Melo, sete delas pelo nacional.
Rio Branco era o campeão de renda
Nesta altura toda, com o torcedor acreano empolgado e o time dando show nos gramados, o futebol acreano já era o campeão de renda da competição. Conforme estatística publicada pelo O Rio Branco, as bilheterias do José de Melo tinham arrecadado em cinco partidas NCz$ 136.220,00 [NCz$ 57.140 na partida contra o Nacional-AM]. O segundo colocado em arrecadação no nacional era o Anapolina, NCz$ 84.200,00.
Estrelão proporciona autoestima aos acreanos
A classificação do Estrelão à segunda fase do nacional era o assunto predileto nas rodas de amigos. O clube conseguia resgatar a autoestima do povo acreano e a imagem de nosso futebol ganhava credibilidade em nível nacional. O próximo adversário, o Ceilândia-DF, não quis muito acreditar no potencial do time acreano e, no primeiro jogo, realizado no dia 5 de novembro, no Distrito Federal, não acabou perdendo pelo fato dos jogadores acreanos não terem acreditado no seu próprio futebol.
Gol de Mariceudo leva o time à Série B
Com a classificação para ser decidida em casa, o presidente Sebastião Alencar pediu aos seus jogadores respeito ao adversário. O dirigente costumava falar que nada estava ganho e que o adversário tinha qualidade. Numa preleção, o cartola pediu pelo amor de Deus que eles vencessem aquela partida, ocorrida no dia 11 de novembro de 1989. Numa matéria publicada no Jornal O Rio Branco, o cartola chegou a dizer que não estava dormindo nos dias que antecederam a partida, pois um tropeço colocaria todo o trabalho por água abaixo. Com o estádio José de Melo superlotado, o Ceilândia caiu por 1 a 0, gol do acreano Mariceudo. O árbitro daquele jogo foi nada menos e nada mais do que o paulista José de Assis Aragão, que fez o seguinte relato para o jornalista Raimundo Fernandes de O Rio Branco: “Sinceramente, não esperava que num lugar tão distante do centro do Brasil fosse encontrar um futebol tão elegante com um time tão bom e uma torcida tão educada como encontrei no Acre”.
Mostrando compromisso com seus jogadores, a diretoria do Estrelão pagou, à época, NCz$ 387,00 a título de “bicho” para cada jogador pela classificação à Segundona de 1990.
Ceará dobra o “bicho” para eliminar o Estrelão
Preocupado com a campanha do Estrelão, o Ceará, único clube cearense ainda vivo na disputa do nacional, dobrou o bicho de seus jogadores para eliminar o Estrelão. No primeiro jogo realizado no Castelão, dia 26 de novembro, os cearenses venceram por 3 a 0, gols de Hélio (2) e Santos. A partida de volta, prevista para o dia o 29 de novembro, acabou cancelada devido a um forte temporal. Um dia depois, de portões abertos, o jogo foi realizado, mas o Estrelão acabou ficando no empate de 1 a 1. O Ceará abriu o placar com Santos, aos 3 minutos primeiro tempo, enquanto Val empatou aos 46 do segundo tempo.
FRASES
“Chegou ao Acre dizendo que estava queimando gasolina azul, mas o petróleo faltou, e sua nave desgovernou e ele acabou na fila dos reservas dos reservas”.
RAIMUNDO FERNANDES, então editor de Esportes de O Rio Branco, falando do atacante Jacozinho.
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“Os meninos estão comendo a bola”
JACOZINHO, justificando a ausência na equipe do Rio Branco
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“O futebol do Acre está em alta, mas os políticos não se identificam com a emoção da galera”
SEBASTIÃO ALENCAR, presidente do Rio Branco, em entrevista após levar o clube acreano à Segunda Divisão do futebol nacional.
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CAMPEONATO BRASILEIRO – DIVISÃO ESPECIAL
09.09.1989 – Nacional (AM) 0 x 1 Rio Branco FC
14.09.1989 – P. do Solimões – AM 3 x 1 Rio Branco FC
18.09.1989 – Rio Negro – AM 1 x 0 Rio Branco FC
24.09.1989 – Rio Branco FC 0 x 0 Dom Bosco – MT
29.09.1989 – Rio Branco FC 1 x 0 Mixto – MT
07.10.1989 – Mixto – MT 2 x 0 Rio Branco FC
10.10.1988 – Rio Branco FC 4 x 2 P. do Solimões – AM
14.10.1989 – Rio Branco FC 2 x 1 Rio Negro – AM
21.10.1989 – Dom Bosco – MT 0 x 1 Rio Branco FC
31.10.1989 – Rio Branco FC 2 x 1 Nacional – AM
05.11.1989 – Ceilândia – DF 0 x 0 Rio Branco FC
11.11.1989 – Rio Branco FC 1 x 0 Ceilândia – DF
26.11.1989 – Ceará – CE 3 x 0 Rio Branco FC
30.11.1989 – Rio Branco FC 1 x 1 Ceará – CE
CAMPANHA
14 JOGOS
07 VITÓRIAS
03 EMPATES
04 DERROTAS
14 GOLS PRÓ
14 GOLS CONTRA