Tenho um amigo que se julga ladino, capaz de fazer uma corda grossa com meia-dúzia de pingos d’água. Amigo de longas datas, cujo nome não posso revelar por não ter autorização do dito cujo. Amigo esse que foi ao Catar e que saiu daqui garantindo que o Brasil ia ser feliz por aquelas bandas.
Me lembro que quando eu lhe dizia que trazer o “caneco” não ia ser fácil, apesar dos ótimos jogadores que dispúnhamos, ele respondia com ar enigmático que tudo ficaria muito simples com a presença dele por lá e que a mandinga que ele faria era garantia de mais um título aqui pra nós.
Como todos sabemos, infelizmente o nosso time ficou pelo caminho após uma malfadada disputa de pênaltis. E então, logo depois da desclassificação eu não pude deixar de pensar no que poderia ter dado errado nas artes do meu amigo e que lance do destino o teria atrapalhado.
Pois ontem ele chegou da sua malsucedida empreitada e veio me encontrar com acentuados sintomas de depressão, sinais de noites insones e pra lá de macambúzio. Mas antes que eu sequer abrisse a boca para questioná-lo, ele foi logo dizendo que iria me contar tudo, tintim por tintim.
De acordo com a narrativa dele, o que faltou para que o “serviço” que ele iria realizar desse certo foram os ingredientes. “Sabe como é, professor, sem dispor das coisas certas não se pode conjurar as forças ocultas para trabalharem na realização dos nossos objetivos. Sem isso, nada feito.”
Mediante a minha indagação de quais ingredientes teriam faltado, ele desfiou uma lista enorme. Mas disse que quase tudo poderia ser substituído por produtos similares (genéricos) locais. Tudo, menos um gato vermelho e dois quilos de farinha de boa mandioca oriunda da floresta amazônica.
“Veja bem, professor. O gato tinha que ser vermelho. Primeiro porque gatos pretos não se usam mais nos rituais esotéricos, sob pena de se infringir as normas do politicamente correto. E segundo, porque vermelho é a cor predominante na camisa croata. Sumiram com os gatos vermelhos todos.”
“E quanto à farinha”, continuou ele, “só servia a da mandioca amazônica. Coisa que eu não sei explicar, mas que eu só fiquei sabendo depois que a farofa ficou pronta. Revelação que eu tive depois de tropeçar na perna de pau de uma mesa quebrada e a panela com a farofa cair no chão”.
“Por último”, concluiu o meu amigo, agora já não mais tão ladino quanto ele se julgava ao viajar, “se tudo tivesse dado certo, no caso o gato vermelho e a farinha de mandioca amazônica, teria faltado uma esquina para depositar o trabalho. É que em Doha não existem esquinas, professor”. Putz!