Piscina de furão

Eu já contei, neste meu latifúndio literário, umas quantas vezes, que em anos remotos, quando o futebol acreano era recheado de artistas da bola e o principal programa da cidade nos fins de semana era ver os jogos do campeonato, valia tudo para entrar no vetusto Stadium José de Melo.

Nesse sentido de “valer tudo”, levando-se em conta que boa parte dos torcedores, principalmente os mais jovens, não tinha dinheiro suficiente para comprar o respectivo ingresso, prevalecia a iniciativa de “furar o jogo”. Por “furar o jogo” entenda-se “entrar nas dependências do estádio sem pagar”.

As maneiras de “furar o jogo” eram as mais diversas possíveis. Tinha menino que se disfarçava de vendedor de picolé, “quêbe” ou banana frita (ambulantes entravam sem pagar). Outros, quando eram amigos de algum jogador, entravam junto com ele (jogador), carregando as chuteiras deste.

Mas o que mais prevalecia, nessa onda de “furar o jogo” era pular o muro em algum ponto onde não estavam postados os vigilantes. Sim, havia vigilantes do lado de dentro do estádio para prevenir a entrada dos “furões”. Havia, porém, pontos cegos no muro, onde não ficava ninguém vigiando.

Um dos pontos cegos, talvez o principal deles, era o lado do muro que dava para a Avenida Marechal Deodoro. Dois fatores faziam do referido lado um local sem vigilância. Primeiro porque os furões precisavam passar pelo fundo de quintais. E depois por ser uma parte onde havia muito capim alto.

Eis que, então, de acordo com o relato do nobre causídico Jorge Carlos, o popularíssimo Piaba, lá pelas tantas, deu-se que um menino de nome Uchoa, que um tempo depois viria a ser lateral-esquerdo do Independência, resolveu que por ali era o local melhor para “furar o jogo”.

Esgueirando-se pelo lado da casa de um morador, solitário para não chamar a atenção, num dia de clássico Juventus e Atlético, o Uchoa subiu no muro, olhou para todos os lados e, não vendo ninguém por perto, preparou o salto para dentro do terreno do estádio, o fazendo com o melhor dos estilos.

Para azar do Uchoa, justamente no local do salto, naquela semana, por conta de uma tempestade que havia desabado inclemente sobre Rio Branco, a tampa de uma fossa havia sido arrebentada, formando uma “piscina” de dejetos. Resultado: o Uchoa mergulhou direto no nauseabundo local.

Não fosse a intervenção de um senhor de nome Arady, que apareceu sabe-se lá de onde, sempre de acordo com o relato do doutor Jorge Carlos, o Independência teria perdido o seu futuro lateral. Palavra final do Jorge Carlos: “O Uchoa teve que passar três dias de molho na água sanitária.”