De um luto a outro

Como a vida e a morte são uma espécie de irmãs siamesas, indissociavelmente ligadas, a gente acaba passando de um luto a outro no correr da existência. A distância entre os lutos, entretanto, acaba nos concedendo tempo para refazer a dor que assedia o espírito a cada perda.

Nesses últimos dias foram muitas as perdas que se abateram sobre os brasileiros. A tragédia com o voo que levava a delegação da Chapecoense foi o choque maior. Jovens ídolos no ponto mais alto das suas carreiras viram os seus sonhos de glória ser interrompidas de uma forma bem brutal.

Trata-se de uma tragédia da qual talvez nunca se saiba a extensão. A maior parte das atenções tem se concentrado na instituição Chapecoense. Mas em torno disso existem dezenas de pessoas diretamente ligadas às vítimas do acidente. Pessoas que jamais poderão se recuperar do trauma.

E o pior, segundo consta nas apurações feitas até aqui, uma tragédia que poderia ter sido evitada se os vários responsáveis pelo voo tivessem tomado atitudes diferentes daquelas que tomaram. Bastava ter havido bom senso e compreensão do risco aos quais os passageiros seriam submetidos.

Como já ficou provado que o acidente só aconteceu por falha (ou uma sequência delas) humana, continua-se com a certeza de que um avião ainda é o meio de transporte mais seguro já inventado pelo engenho dos homens. Um avião é seguro, as ações dos homens nem tão seguras assim.

Eu sou passageiro de aviões desde a infância. Já voei em todo tipo de aeronave. Desde aqueles velhos DC-3, do tempo da Segunda Guerra Mundial, passando por monomotores, até aos Boeings e Airbus de última geração. Sempre me senti como se estivesse numa poltrona da minha casa.

No próximo voo certamente já não vou me sentir tão seguro assim. Mas não por causa da máquina. E sim por causa dos sujeitos que estarão no comando. Questões vão me assaltar. Que tipo de indivíduo é aquele que me saúda a partir da cabine de comando? Qual a sua real condição psicológica?

Perguntas vão me assaltar, mas vou continuar os meus voos, sempre que preciso for. Agora voarei com alguma apreensão, é certo. Apreensivo e lembrando o paradoxo da lucidez e do desatino que determina a todos um destino tão certo que a ninguém é dado algum poder de mudar-lhe a sorte.

Pois bem. Mas o que eu queria mesmo dizer hoje, aquilo que está anunciado no título deste texto, é a passagem dos vivos de um luto a outro. Ainda choramos a dor dos jogadores da Chapecoense e já perdemos outro craque. Esse da cultura brasileira. O poeta Ferreira Gullar: requiem in pace!