O árbitro de 69 anos lutava há quase dois anos contra um câncer. Sepultamento ocorre na manhã desta terça-feira, às 9h. Foto/Manoel Façanha

Futebol acreano chora a perda do ex-árbitro e técnico José Ribamar

MANOEL FAÇANHA

O coração do ex-árbitro e técnico José Ribamar Pinheiro de Almeida parou de pulsar na manhã desta segunda-feira (2) em sua residência. O árbitro de 69 anos lutava há quase dois anos contra um câncer, mas a agressividade da doença venceu sua persistência de viver.

Nascido em Xapuri, dia 10 de fevereiro de 1947, Riba, assim como era chamado carinhosamente entre os amigos, tinha formação no curso de direito pela Universidade Federal do Acre e desde 1997 era aposentado da Advocacia-Geral da União (AGU). Ele deixa a esposa Eliana e os filhos Márcia Barrozo, Marcela Barrozo e Murilo Augusto, assim como um legado de boas histórias no desporto.

Em 1968, Ribamar, o segundo em pé, da esquerda para a direita, com a camisa do Esporte Clube Brasília (Xapuri). Foto/Acervo FFAC

Sua trajetória no esporte começou ainda cidade natal, precisamente na segunda metade da década de 1960, quando atuava de lateral-direito do Esporte Clube Brasília. Porém, o sucesso não veio com a bola nos pés, mas sim, com o apito na boca, logo após um convite para integrar o quadro de arbitragem do futebol local na década de 1970.

Antonio Moreira e José Ribamar atuando de árbitro assistentes durante uma competição nacional. Foto/Acervo FFAC

Ao aposentar o apito, José Ribamar não quis deixar a paixão futebolística de lado. Anos depois virou treinador dos principais clubes acreanos, entre eles: Independência, Atlético e Juventus.

Sua paixão pela bola ainda reservou um espaço na crônica esportiva, onde trabalhou de comentarista. Riba era autêntico e já havia mostrado isso como árbitro e treinador. Enfim, Ribamar era mesmo uma “figuraça”.

Veja a seguir os principais trechos de uma entrevista com José Ribamar em texto produzido em novembro de 2015 

Em 1993, o advogado José Ribamar encerra a carreira de árbitro de futebol. Foto/Acervo Manoel Façanha

Francisco Dandão – Conte-nos como foi o seu primeiro envolvimento com o futebol

Ribamar – O meu primeiro envolvimento com o futebol, pra valer mesmo, com ingressos pagos e num time organizado deu-se em Xapuri, na segunda metade da década de 1960. Eu jogava de lateral-direito num time chamado Brasília. Era um timaço. Tinha muita gente boa. Casos do Hélio Fiesca, do Ramé, do Curica, do Mucuim, do Jerico. Grande parte desses jogadores depois fez sucesso na capital. Quando jogava Brasília e América o pau quebrava. Era o maior clássico da cidade.

FD – E em que momento você resolveu ser árbitro de futebol?

Ribamar – Primeiro de tudo, eu tive que parar de ser jogador porque lá pelas tantas eu estourei o meniscos. Foi até num jogo beneficente Isso me impedia de jogar, mas não de correr. Aí, para não ficar de fora do esporte, eu resolvi começar a apitar. A coisa, aos poucos foi encaixando, foi pegando, até deslanchar. Um dia foi um time de um colégio de Rio Branco jogar em Xapuri, levado pelo Adalberto Pereira, que era árbitro em Rio Branco. Perguntaram se havia juiz na cidade. Eu fui indicado. Depois do jogo, a gente estava num barzinho tomando umas cervejas, quando o Adalberto disse que eu era o Armando Marques de Xapuri e perguntou se eu queria mudar para Rio Branco. De imediato eu não quis. Mas, quando eu precisei mudar para a capital, me apresentei na federação e fui admitido no quadro de árbitros de imediato. Depois eu fiz um curso e, modéstia a parte, me destaquei muito entre os participantes.

FD – Qual a sua primeira partida como árbitro?

Ribamar – Minha primeira partida aqui em Rio Branco, já como árbitro da federação foi um Juventus e Independência, pelo campeonato juvenil. Um jogo difícil, de uma rivalidade desgraçada. Passei a noite pensando em como é que eu ia me conduzir. Felizmente, deu tudo certo. Na semana seguinte aconteceria o Torneio Início dos times principais. Pelo Juventus, tinha o Álvaro Curu, que fazia gols pra caramba. E do lado do Independência tinha o Flávio, que dava porrada em todo mundo. Mal começou o jogo, o Flávio deu uma joelhada nas costas do Curu. Eu o expulsei no ato. Em seguida, o Curu se meteu noutra confusão e eu tive que expulsá-lo também. Resultado: ao fim do jogo fui aplaudido de pé pelas duas torcidas.

FD – Como era o árbitro José Ribamar?

Ribamar – Muito sarcástico, falando o que bem entendia dentro do campo, mas sempre com cuidado de não sacanear os jogadores. Às vezes eu dizia alguma coisa e o jogador executava, mas a jogada dava errado. Quando ele reclamava, eu respondia que ele não tinha nada que fazer o que eu mandava, porque eu não era treinador dele. Durante algum tempo, o árbitro luta para se firmar e nisso ele tenta se conduzir de várias maneiras. Até que chega um momento em que ele encontra o melhor caminho e segue em frente nele. Tem hora que tem que ser duro, tem hora que tem que ser maleável. Ser só uma coisa ou outra o tempo inteiro não dá certo. Mas a gente comete muitos erros também. Todo árbitro comete erros. A gente só tem que se cuidar para acertar mais do que errar.

Antonio Moreira e José Ribamar eram conhecido como a dupla de ouro da arbitragem acreana. Foto/Acervo Manoel Façanha

FD – Comenta-se que você costumava responder às reclamações dos jogadores de forma espirituosa. Como era isso?

Ribamar – Sim, às vezes eu respondia mesmo de forma bem-humorada. Uma vez, por exemplo, eu fui escalado para apitar um jogo de um time do Amapá, pelo Copão da Amazônia. Aí, antes de começar um jogo, faltava acender apenas uma luminária. Mas isso não atrapalhava em nada. Um zagueiro chamado João de Deus veio reclamar comigo que a lâmpada não acendia etc. Aí eu perguntei se ele era engenheiro. Ele disse que não. Eu falei que também não era. Então, se nem eu nem ele podíamos fazer nada, o jeito era começar o jogo assim mesmo. Então era isso.

FD – Qual a partida mais difícil que você apitou?

Ribamar – Com toda a honestidade, os jogos mais difíceis era os confrontos entre Juventus e Rio Branco. O chamado clássico Pai e Filho. Esses jogos sempre davam confusão. Juventus e Independência era o melhor jogo. O Independência tinha a maior torcida, faziam um estardalhaço, mas ninguém brigava dentro do campo. Já o Juventus e o Rio Branco, que nem torcida tinha, passavam os noventa minutos brigando dentro do campo. Então eles dificultavam o quanto podiam o trabalho da arbitragem. Invariavelmente eu tinha que expulsar jogadores dos dois lados. E cada vez que se expulsava um, dava meia hora de confusão.

FD – Quais os jogadores mais chatos, aqueles que mais atrapalhavam o seu trabalho?

Ribamar – Os mais chatos eram o Emilson, o Dadão e o Bruno Couro Velho. Cada um era chato à sua maneira. O Emilson era chato, mas era gente boa, fazia um monte de sacanagem, mas era educado, jamais me ofendia. Ficava perturbando no papo, mas nada que me forçasse a expulsá-lo. Já o Dadão queria ser estrela demais. Queria ser o Messi de hoje, ou o Maradona de um tempo atrás. Não tinha quem aguentasse, reclamava de tudo. O adversário não podia encostar nele que ele já queria falta e cartão. Era um saco apitar jogo com o Dadão em campo. No caso do Bruno Couro Velho, o lance dele era cavar uma expulsão o mais cedo possível, para ir pescar. Ele já entrava em campo fazendo confusão. Teve um dia que eu falei pra ele que não iria expulsá-lo de jeito nenhum, nem que ele ficasse nu em campo. Esses três eram os jogadores mais chatos que eu tive contato em minha vida como árbitro.

FD – Que você considera ter sido o melhor árbitro acreano de todos os tempos?

Ribamar – Evidentemente que fui eu mesmo. Eu tanto tinha uma boa cultura, como dominava os fundamentos da regra, além de saber me posicionar bem em campo. Agora, depois de mim teve dois outros grandes árbitros. Um deles foi o Adalberto Pereira que, apesar de não apitar tão bem assim, se impunha pela intimidação. Ele só apitava armado com uma “peixeira” na cintura. Inclusive porque ele era policial. O outro foi o Wagner Cardoso, que tinha boa técnica, além de ser muito malandro. O Wagner, com a sua malandragem, levava o jogo sempre numa boa. Podia dar o rolo que desse, ele ia levando na boa. Quando ele via que os ânimos estavam se acirrando, terminava o jogo mais cedo. O Wagner cansou de terminar o jogo aos 41, 42 minutos. Tudo para evitar tumulto. Era um jeito esperto de apitar.

FD – Apesar de todo esse preparo técnico e cultural citado, você chegou a ser agredido em campo. Como foi isso?

Ribamar – Eu tive duas situações de agressão. Uma delas foi apenas uma tentativa. Não chegou a se consumar. A outra, eu fui atingido mesmo. Essa foi com o Valdir, centroavante do Atlético. Mas eu revidei. Dei uma porrada no Valdir que até hoje tenho a mão doída. Ele me acertou, mas eu acertei ele muito mais. Foi num jogo entre Atlético e Juventus. Acertei ele com a mão esquerda. O pessoal até disse pra ele não se meter comigo que eu era faixa preta. Eu não era faixa preta coisa nenhuma. Mas aí ficou por isso. A tentativa de agressão aconteceu com o José Augusto Cunha, quando ele era treinador do Internacional. Mas essa ficou só na ameaça.

FD – Depois de encerrar a carreira como árbitro, em 1993, você virou técnico. Comente essa passagem de uma função para a outra.

Ribamar – Passar de árbitro para treinador foi a melhor coisa que aconteceu comigo. Porque como árbitro você não aprende muita coisa. Você vive numa eterna rotina. Já como treinador, pelo fato de você ter que trabalhar com muita gente, o dia a dia é um aprendizado constante. Eu posso dizer que tive sorte como treinador. Eu comecei a carreira em 1999 e desde então jamais tive problema algum com nenhum dos meus comandados. Minha primeira experiência foi no Independência, a convite do Nei Braga, presidente do clube. O time havia perdido para um adversário de Porto Velho, vinha mal das pernas, o treinador que estava lá, segundo o Nei, não sabia de nada, não tinha moral nenhuma, chega atrasado, briga com os jogadores. E aí, por tudo isso, me convidou. Eu topei a parada e fiquei nessa até o ano passado [2014].

Independência – 1999. Em pé, da esquerda para a direita: Manoel Carmona (massagista), Tenente Messias (preparador físico), Cleiber (auxiliar técnico), José Ribamar (técnico), Bené (roupeiro), Magá (massagista), Jorge e Claudinho. Sentados: Lauro, Mariano, Sales, Dênis, Tidalzinho, Dorielson, Jorge Cubu e Nego. Agachados: Redson, Pereira, Milton César, Getúlio, Artemar, Robertinho, Pitiú e André – Foto/Manoel Façanha.

FD – Quais times você treinou e qual aquele que você considera ter feito o melhor trabalho?

Ribamar – Dirigi, inicialmente, o Independência durante três anos: 1999, 2000 e 2001. Era pra ter sido tricampeão nesse período. Por um desses caprichos do futebol, isso acabou não acontecendo. Nos dois primeiros anos fomos vice-campeões. Depois disso, a pedido do Toniquim, fui treinar o Atlético. E aí saí rodando. Passei pelo Adesg, pelo Juventus, pelo Amax e pelo Náuas. Meu último trabalho foi no Independência, na segunda divisão de 2014.

O técnico José Ribamar (centro) analisando atentamente o desenho tático da partida. Foto/Acervo Manoel Façanha

FD – Para concluir, Ribamar, eu gostaria que você fizesse uma comparação entre o futebol acreano do passado e do presente.

O corpo de José Ribamar está sendo velado na Capela São João Batista. No caixão do ex-árbitro aparece duas de suas paixões: a bandeira do Botafogo-RJ e a camisa da Argentina. Foto/Manoel Façanha  

Ribamar – Eu tenho uma opinião diferente da maioria. Pra mim, o futebol atual é muito melhor. No passado existiam alguns bons jogadores. Mas a maioria não jogava nada. Se você colocar o Rio Branco do final da década de 1960 para jogar com o Andirá de hoje, o Rio Branco perderia. Aliás, não perderia só para o Andirá não. Perderia para qualquer um. Antes de o Rio Branco importar jogadores como o Padreco, o Vale, o Fernandinho, o Espanhol e outros, o time era muito ruim. Antes desses que eu falei, o Rio Branco jogava com Jones, no gol, Grassi, Danilo Maia, Pedro Louro e Stélio, na zaga. Essa zaga segurava quem hoje? Não segurava ninguém. O Rio Branco começou as importações de jogadores e os outros times cresceram juntos. Não tenho dúvida, o futebol atual é muito melhor.

DEPOIMENTOS

“Meus sentimentos. Deus conforte o coração de cada familiar. Riba já foi meu treinador”

Vanilson Pena, ex-atacante

“Vai em paz”

Carlos, ex-zagueiro

“Quero apresentar minhas condolências para toda a família. José Ribamar foi um acreano de muito valor, bom amigo e grande desportista. Muita luz nesse momento difícil…! “

José Augusto Fontes, juiz de direito

“Mais que um sogro, um pai adotivo. Viveu e nos fez viver com muita alegria. Era um ser humano muito festeiro e essa será a lembrança que guardaremos dele, além de grande amigo e um pai amado por seus três filhos”.

 Jota, genro de José Ribamar