MANOEL FAÇANHA
Neste dia 4 de maio completam-se duas décadas do maior triunfo futebolístico de um clube acreano em torneios regionais. Trata-se da conquista invicta da primeira edição da Copa Norte, façanha desenhada pelo Rio Branco FC, num feito histórico assistido por mais de 40 mil torcedores azulinos do Clube do Remo, que se encontravam sentados nas arquibancadas molhadas do estádio Leônidas de Castro, o Mangueirão, em Belém-PA.
Se os céus paraenses já lagrimavam antes e durante a final, já prevendo uma grande catástrofe para o futebol local, o torcedor azulino, ainda esperançoso, assistiu as comemorações dos jogadores do alvirrubro, onde a cada gol, ironicamente, os atletas sentavam ao chão e imitavam remadores numa canoa imaginária no meio gramado.
Entres os personagens dessa façanha podemos citar alguns nomes importantes daquela histórica conquista.
A lista começa pelo eterno presidente alvirrubro Sebastião de Melo Alencar, um paraense de coração remista que, ao fixar residência no Acre no início dos anos de 1970, apaixonou-se pelo Rio Branco. A lista de personagens prossegue e chega aos jogadores Venícius e Palmiro. Cada um desses atletas marcou um gol no triunfo estrelado sobre o Remo na vitória por 2 a 1. Nossa lista é fechada com o técnico Marcelo Altino, 73 anos (atualmente). Um carioca boa praça que, ao levar o Rio Branco à hegemonia do futebol do norte, não somente massageou o ego do povo acreano, mas também chegou a associar sua imagem a dois grandes vultos da historiografia local: Luiz Galvez e Plácido de Castro, dois lideres revolucionários que ajudaram processo de anexação do território acreano ao Brasil, após sangrenta batalhas contra os bolivianos ocorridas no final do século XIX e início do século XX.
Carta branca,14 jogadores e inverno tenebroso
Em entrevista recente ao programa Arena Mapinguari, do Globoesporte.com, o técnico Marcelo Altino revelou que o time estrelado começou a ser montado três meses antes da disputa da Copa Norte. Segundo ele, 14 nomes foram escolhidos a dedo, após assistir inúmeros jogos e ter trabalhado com alguns deles.
– Quando fui contatado pelo doutor Sebastião Alencar para ser o treinador do Rio Branco, recordo-me que, à época, residia na cidade de Caldas (GO). Lembro-me ainda que ele, o doutor Alencar, deu todo o suporte e liberdade para a escolha dos jogadores. Portanto, acredito que isso foi um elemento importante para o sucesso daquela equipe.
Uma pré-temporada dura, ocorrida embaixo de muita chuva e associada à qualidade do gramado pesado, seria o primeiro obstáculo a ser superado pelo Estrelão naquele tenebroso inverno histórico que chegou a registrar a segunda maior enchente da cidade de Rio Branco, com o leito do rio Acre atingindo a cota de 17.66 cm. Aliás, na avaliação do técnico Marcelo Altino, a pré-temporada do Rio Branco, ocorrida embaixo d’água, teria sido mais uma arma do clube na disputa do torneio regional.
Estreia do Mago e virada em cima do Baré-RR
A estreia da Copa do Brasil era aguardada com muita expectativa pelo torcedor estrelado. O Rio Branco teria o Baré-RR como o adversário. O primeiro tempo, o goleiro Edvaldo, hoje já falecido, falhou em dois lances, o suficiente para os roraimenses levar uma vantagem de dois gols no placar para os vestiários.
Com a vaga do clube roraimense encaminhada, o técnico Marcelo Altino mudou o jogo no vestiário. Literalmente chutou o balde no intervalo, sacando ainda o atacante Gil e mandando a campo o então “juvenil” Testinha. Resultado da mudança foi uma virada espetacular sobre o Baré-RR por 3 a 2, onde a figura de Testinha brilhou além do horizonte. O triunfo contra os roraimenses, além de dar moral ao técnico Marcelo Altino e ao grupo de jogadores para a sequência da temporada, calou os críticos.
Empate na estreia, goleada no Naça e vaga na decisão
Logo depois, o Rio Branco encararia a disputa da Copa Norte, competição disputada por 10 clubes de oito estados (Acre, Rondônia, Amazonas, Roraima, Pará, Maranhão, Amapá e Piauí). A cidade de Rio Branco recebeu uma das sedes, enquanto Belém-PA, a outra. Com triunfo avassalador sobre o Nacional-AM por 4 a 1, após estreia sem gols contra o Ji-Paraná e vitórias simples contra Independência-AC e Baré-RR, ambas por 1 a 0, o Estrelão garantia vaga na decisão. O adversário seria o favorito Clube do Remo, equipe com 100% de aproveitamento na Copa Norte – quatro vitórias, 10 gols pró e apenas um gol sofrido.
O empate sem gols no primeiro jogo das finais, ocorrido dia 17 de abril de 1997, no estádio José de Melo, foi uma ducha de água fria na torcida alvirrubra e, até mesmo, no presidente Sebastião Alencar, que já não acreditava mais na possibilidade do triunfo em Belém.
Batalha começou na véspera do título
A batalha do Mangueirão iniciou bem antes do dia 4 de maio. Ela começou a véspera, precisamente no saguão do Hotel Sagres, onde as duas delegações estavam hospedadas na cidade de Belém-PA. Relatos do cronista esportivo Alberto Casas, presente àquela decisão, garante que os atletas azulinos trataram com muita indiferença os jogadores estrelados. A justificativa para tanta soberba era o fato do Leão ser tetracampeão paraense e carregar uma invencibilidade de mais de quatro anos sem perder um Re-Pa.
– Eles não respondiam nem a um bom dia dos jogadores do Rio Branco e olhavam os atletas alvirrubros com desdém. Pagaram pela arrogância, – lembra Casas.
Com o desdém dos jogadores azulinos em relação à delegação acreana, o técnico Marcelo Altino ganharia mais um elemento para adoçar sua inflamada preleção momentos antes da bola rolar. Eficiente na arte motivacional, o treinador, que jamais havia entregado os pontos da conquista da Copa Norte após o empate sem gols contra os paraenses no primeiro jogo das finais, ocorrida no José de Melo, fez uma preleção espetacular e ganhou as mentes e corações dos seus jogadores.
Com um futebol atrevido, Estrelão provoca “Mangueirazzo”
O Rio Branco entrara em campo sem quatro jogadores titulares. O goleiro Waltermir, o zagueiro Romilton e o meia Biro-Biro estavam suspensos. A quarta baixa dizia respeito ao meia Testinha, negociado para o futebol português.
Quando a bola rolou o Rio Branco não sentiu nem o gramado molhado ou tão pouco a pressão do torcedor azulino. Com uma escalação audaciosa de três atacantes (Bala, Venícius e Palmiro), o Estrelão abriu o placar com Venícius. Edill deixou tudo igual antes do intervalo.
Na saída dos jogadores para o intervalo de partida, o técnico Marcelo Altino, ao ser perguntado sobre o jogo, respondeu a um repórter local que iria fazer uma substituição tática que mudaria o jogo e ganharia o título ali dentro. Dito e feito. O treinador sacou o volante Cícero e mandou a campo o inspirado Papelim. Este, por sua vez, abusou da categoria para empurrar o Estrelão para cima do Clube do Remo. O gol da vitória estrelada foi marcado pelo atacante Venícius, aos 25 minutos da etapa final.
Com o apito final, os acreanos fizeram festa no gramado do Mangueirão. Já ao torcedor azulino só restaram lamentações e aplausos ao Estrelão. Nas ruas de Belém, a derrota e a perda do título da Copa Norte estão entre as 10 maiores humilhações sofridas pelo clube azulino.
Remo 1 x 2 Rio Branco. O Estrelão jogou com a seguinte formação: Alex, Ronaldo Paraíba, Marcelão, Jorge, Luis Carlos; Cícero (Papelim), Ico, Luís Henrique (Mamud), Bala, Palmiro e Venícius. Técnico: Marcelo Altino
CAMPANHA DO RBFC
25/03/1997
Ji-Paraná 0x0 Rio Branco
27/03/1997
Rio Branco 1×0 Baré
30/03/1997 –
Independência 0x1 Rio Branco
01/04/1997
Rio Branco 4×1 Nacional
17/04/1997
Rio Branco 0 x 0 Clube do Remo
05/05/1997
Clube do Remo1 x 2 Rio Branco
No Acre, após a conquista da Copa Norte, o time estrelado foi recebido em festa no aeroporto internacional de Rio Branco. Os atletas ainda desfilaram em carro aberto do Corpo de Bombeiros pelas principais ruas e avenidas.
A conquista da primeira edição da Copa Norte ainda valeu ao Rio Branco uma vaga na extinta Copa Conmebol, hoje Copa Sul-americana. Na época, o Rio Branco enfrentou o Tolima-COL, perdendo fora de casa por 2 a 1, mas vencendo em casa por 1 a 0. Nas cobranças de penalidades, os colombianos venceram por 5 a 4.
POR ONDE ANDAM OS HERÓIS DO TÍTULO
Hoje com 51 anos, José Venícius Martins Rodrigues reside em Rio Branco e funcionário público e nesta temporada foi preparador físico do Galvez. Na carreira futebolística vestiu as camisas do Rio Branco, Independência-AC, Santos-SP, Paysandu-PA, Vasco-AC e Juventus-AC.
Palmiro Alves Ferreira Filho, o Palmiro, hoje com 46 anos, reside em Rio Branco e trabalha de segurança numa empresa de comunicação. Na carreira vestiu as camisas de Rio Branco, Independência-AC, Ji-Paraná-RO, Moto Clube-MA, Atlético-AC, Juventus-AC e Vasco-AC.
“O Remo foi frouxo”, dispara comentarista paraense
Duas décadas após “Mangueirazzo”, termo usado em referência à partida que decidiu a Copa Norte a favor do Rio Branco, o comentarista esportivo Carlos Castilho, um dos mais respeitados do rádio paraense, falou com exclusividade à reportagem do Opinião sobre o feito do Rio Branco contra o favorito Clube do Remo. Nas linhas seguintes são evidenciados alguns pontos do pensamento desse profissional da Rádio Clube do Pará.
Vitória do mais inteligente
“Foi uma grande frustração. Todos no Pará davam como ganho o título para o Remo. Tanto que existia até preparativos para a festa dos azulinos. No entanto, o Rio Branco surpreendeu com um futebol cauteloso, mas não retranqueiro. O time acreano jogou com inteligência e soube atrair bem o Remo, assim matando a partida nos contragolpes. Portanto, eu diria que a vitória foi do time mais inteligente, não da melhor equipe”.
“Em linhas gerais, quero explicar ainda que o Clube do Remo subestimou o Rio Branco. Os caras achavam que ganhavam a partida na hora que quisessem e futebol não é assim. O Rio Branco, consciente da sua limitação, foi uma equipe aplicada taticamente, onde ficou evidente que naquela decisão a transpiração superou a inspiração”.
Remo ainda não apreendeu a lição
“A derrota para o Rio Branco até hoje não serviu de lição para o Clube do Remo. Na temporada 2015, a equipe acabou perdendo um título de Copa Verde para o Cuiabá, após vitória em casa por 4 a 1. Ou seja, a virada do time mato-grossense (5 a 1) serviu para mostrar que o clube continua com a mesma soberba, prepotência e orgulho de ser mais do que é, muito diferente do seu arquirrival Paysandu, agremiação que conquistou a disputa da Copa dos Campeões contra o Cruzeiro-MG, após derrota em casa”.
Imprensa volúvel
“O torcedor azulino e grande parte da mídia paraense davam como certo o título para o Clube do Remo. O favoritismo era tão grande que até mesmo o representante da CBF, que eu não lembro o nome, dava como certo o triunfo do Leão sobre o Estrelão. No entanto, após o jogo, muitos tiveram que rever seus conceitos sobre aquele duelo histórico. Tanto que no dia seguinte os noticiários enalteceram a conquista do Rio Branco. Ou seja, a imprensa é igualzinha à torcida. Ela é volúvel. Ou exalta demais, ou malha demais. Portanto, a imprensa deixou claro que naquela decisão o Clube do Remo foi frouxo.”
FRASE
“O Remo convive até hoje com um rei na barriga e não consegue visualizar que isso é prejudicial à agremiação”