A democracia dos Corinthianos

Ao final de 1981 as coisas não iam nada bem pelos lados do Sport Club Corinthians Paulista. A fraca campanha no campeonato paulista, quando chegou apenas na oitava colocação, fez com que a equipe sequer conseguisse uma vaga para disputar a Taça de Ouro, como se chamava naquela época a primeira divisão do campeonato brasileiro. Disputar a Taça de Prata, atual Série B, era algo inédito e fora da realidade da equipe mais popular de São Paulo. Ainda assim as expectativas de mudanças no clube eram pequenas. O mandato do então presidente do clube Vicente Matheus chegara ao fim nos primeiros meses de 1982, e apesar da má fase em campo, ele conseguira eleger seu candidato, Waldemar Pires, para assumir seu lugar. Matheus acreditava ter pleno controle sobre o seu aliado. Ledo engano. Não demorou muito para que a “criatura se afastasse do criador”. Após romper com o ex-presidente, Pires indicou o sociólogo Adilson Monteiro Alves como diretor de futebol, uma escolha considerada surpreendente por conta de sua pouca intimidade com o esporte.

Logo em sua primeira conversa com Alves, dois dos principais jogadores do elenco, Sócrates e Wladimir, atletas considerados muito politizados, notaram estar à frente de uma oportunidade única para sugerir mudanças importantes no modelo de gestão do futebol do clube. Contando com o apoio do diretor de futebol do clube e do técnico Mário Travaglini, passaram a adotar um modelo de tomada de decisão das atividades relacionado ao futebol, a partir de votos dados pelos próprios atletas e membros da comissão técnica. De acordo com o que foi proposto, todos poderiam opinar e os votos de cada um deles tinham o mesmo valor. A prática adotada pelos lados do Parque São Jorge, sede do clube, começou a ganhar mais espaço na mídia por conta da boa performance do time em campo. Ainda no primeiro semestre daquele ano, a equipe conquistou o acesso para a Taça de Ouro, quando foi semifinalista da competição. Aquilo era apenas o começo.

Em um ano marcado pela primeira eleição direta, desde o golpe militar de 1964, para governadores, senadores e deputados, coube ao publicitário Washington Olivetto, que houvera sido convidado para atuar como vice-presidente de marketing do clube, e a Juca Kfouri, maior nome da principal revista semanal de esportes, a Placar, articular a adoção do termo ‘Democracia Corinthiana’ ao movimento. Além da autogestão, como foi chamada o modelo adotado, o time passou a estampar em suas camisas frases associadas ao importante momento histórico vivido pelo país, nas urnas, tais como “Diretas-já”, “Dia 15, vote” e “eu quero votar para presidente”, algo considerado único, sobretudo em tempos de ditadura militar. Com clara proximidade aos movimentos sociais da época, e estreitas ligações ao Partido dos Trabalhadores, que buscavam agilizar a instituição da democracia no país, a experiência corinthiana ganhou cartaz. Além de Wladimir e Sócrates, outro nome que ganhou forte associação aquele momento foi o do jovem atacante da equipe, Casagrande.

Com a adoção da democracia corinthiana, questões importantes ganharam outra dinâmica dentro do clube. O regime de concentração, período em que os jogadores se encontram antes dos jogos, foi abolido aos atletas casados. A definição pela contratação de atletas e até mesmo da escalação da equipe eram feitas através de votação. Ainda assim, segundo alguns atletas da época, tais como os goleiros Leão e Rafael, o movimento não era tão democrática assim, uma vez que as decisões eram encaminhadas basicamente pelos líderes Sócrates e Wladimir.

Em campo, no entanto, é inegável afirmar que a democracia alvinegra deu bons resultados. A equipe conquistou de forma marcante o bicampeonato paulista nos anos de 1982 e 1983 vencendo o São Paulo nas finais. Em 1984, as coisas mudaram de figura. Durante manifestações em prol das ‘Diretas Já’, Sócrates, grande nome da equipe e em grande fase, chegou a afirmar, em discurso, que caso a emenda Dante de Oliveira, que buscava restabelecer as eleições diretas para a presidência da república fosse aprovada, ele permaneceria no Corinthians e não partiria para o futebol europeu. Posta em votação no dia 25 de abril, a emenda não foi adiante. Pouco menos de um mês depois, em 21 de maio, o presidente alvinegro Valdemar Pires anunciou a venda do jogador para a equipe italiana da Fiorentina, o que, certamente, foi um forte baque ao movimento corinthiano. Já Casagrande, em atrito com a diretoria foi emprestado para o São Paulo. Ao final do ano, em 2 de dezembro, a derrota para o Santos, por 1 a 0, acabou impedindo o sonho do tricampeonato paulista. Em 1985, Adilson Monteiro Alves, candidato de Waldemar Pires, perdeu, para Roberto Pasqua, a eleição para presidente do clube. Com ela, a democracia corinthiana chegou ao fim.