Quando trabalhava, em 1999, como assessor de imprensa, para o então grupo de oposição do Corinthians, liderado por Damião Garcia, dono da Kalunga, antigo patrocinador do clube, presenciei um dos fatos mais intrigantes da minha carreira profissional.
O empresário havia ganhado uma ação contra o então presidente Alberto Dualib no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que corria desde 1994. O motivo da ação era que naquela ano, o Conselho Deliberativo do Corinthians havia modificado o estatuto do clube para prorrogar o mandato de Dualib na presidência. A oposição alegava alteração ilegal do estatuto.
Com a vitória no STJ, última instância jurídica, tornava-se impossível um novo recurso da situação. Dias antes da publicação do resultado pelo STJ, fomos contratados por Damião Garcia justamente para trabalhar na imprensa o iminente anúncio da derrota de Dualib nos tribunais, assim que ela fosse feita pelo poder máximo do judiciário brasileiro.
Na prática, o resultado representava que os atos de Dualib desde 94, quando foi feita a manobra no conselho para o então presidente se manter no cargo, perdiam a validade e ele deveria deixar a presidência.
Um dia após o Foro do Tatuapé, em São Paulo, receber do STJ o resultado da ação para executá-la – a Vara do Tatuapé foi por onde primeiro foi julgada a ação já que a sede do Corinthians compreende-se dentro daquela jurisdição -, a oposição convocou uma coletiva de imprensa em um hotel de luxo da região central de São Paulo para esclarecer sobre o feito.
No início da coletiva de imprensa, um sujeito esbaforido entrou na sala onde ocorria o evento com uma pilha de papeis nas mãos dizendo que precisava falar com um repórter da Folha de S. Paulo que estava presente ao local. Ao encontrar o jornalista, deu-lhe uma folha da pilha e deixou o restante sobre uma mesa localizada na entrada da sala onde ocorria o encontro, e foi-se embora.
A entrevista foi imediatamente tomada pela presença inusitada deste sujeito. O papel era um despacho do juiz do Foro do Tatuapé informando que a Vara não poderia cumprir a execução da decisão do STJ, o que para o advogado da oposição representava uma ilegalidade, já que um resultado em uma instância superior não é passível de questionamentos por instâncias jurídicas inferiores.
O curioso é que o então juiz do Foro do Tatuapé tomou a decisão em pouquíssimo tempo, já que recebeu a decisão do STJ momentos antes da fatídica coletiva de imprensa. Um recorde para conhecida morosidade da justiça brasileira. Vale ressaltar que o processo que chegou a Vara do Tatuapé tinha mais de 1 mil páginas e que para tomar uma decisão o juiz deveria ter lido todo o processo – pela sua rápida decisão, o fez (se é que o fez) em míseras horas. A imprensa que foi a coletiva não cobriu nem apurou esse fato inusitado da justiça.
A ação da oposição acabou não tendo efeito não por conta da decisão do juiz do Tatuapé, mas porque Dualib tinha sido eleito presidente do clube no ano anterior ao resultado da ação do STJ, ocorrendo as eleições sob o estatuto antigo do clube e não aquele que foi modificado em 1994 – inclusive a ata da reunião do Conselho Deliberativo do clube que prorrogava o mandato de Dualib foi cancelada. Uma manobra bem ao estilo daqueles que comandam o futebol brasileiro.
Depois dessa fatídica coletiva de imprensa, tentamos agendar encontros de Damião Garcia com jornalistas esportivos importantes para relatar os desmandos de Dualib. Poucos quiseram recebê-lo para tratar do assunto. Alguns até disseram que não queriam se envolver com esse tipo de questão.
Anos depois, Damião Garcia e Alberto Dualib fizeram as pazes em troca de poder no Corinthians.