Dorival Ribeiro, 35 anos, foi picado por uma cobra jaracuçu aos 10 anos, no seringal onde morava, no interior do Acre. Após enfrentar adversidades, ele diz estar realizado
Rio Branco, AC – Superação. Vitória. Inclusão. Qualquer um desses termos podem ser utilizados para começar a contar a história de Dorival Ribeiro Rodrigues, 35 anos, professor que defendeu o time do Banco da Amazônia (Basa), vice-campeão da 22ª Copa Bancária de Futsal, competição que terminou no dia 22 de novembro, em Rio Branco. Acreano, nascido no Seringal Filipinas, a 33 km do município de Xapuri, no interior do estado, aos dez anos, ele enfrentou o maior desafio da vida. Picado no pulso por uma cobra jaracuçu, Dorival precisou ter o braço direito amputado e se adaptar a uma nova realidade.
– Estávamos voltando para casa, depois de um dia de trabalho em uma terra onde íamos plantar feijão, e precisávamos atravessar um rio, que estava cheio e com galhos. Quando ia passando, ela deu o bote e mordeu. Andava com uma espingarda, dei um tiro e a matei. Fui para casa, a dor era suportável, mas inchou muito rápido. No outro dia meu pai foi atrás de um barco para me levar até Xapuri. Me levaram em uma rede no barco. De lá, fui levado de ambulância para Rio Branco e quatro dias depois amputaram meu braço – relata.
Dorival conta que não tinha ideia da gravidade do problema. Segundo ele, o resultado do acidente, além de lhe modificar fisicamente, mudou também a vida em geral.
– Fiquei um ano internado, longe da família, sozinho. Meus pais não tinham condições de ir, ficaram desesperados no seringal, pois não sabiam se eu estava vivo ou morto, já que não tinham notícia nenhuma. A enfermeira me disse que iam fazer uma cirurgia, mas eu não sabia o significado da palavra. Achei que era uma coisa boa. Fui para a mesa, me deram a anestesia e quando acordei, olho e já estava sem o braço. Chorei, conversei lá e o jeito era tocar a vida pra frente. Morava no seringal, não tinha oportunidade e a partir desse momento minha vida mudou.
Ao sair do hospital, Dorival retornou para Xapuri para iniciar um novo momento. De família muito carente, até os dez anos ele nunca tinha ido à escola e nem pego em um lápis, apenas trabalhava como braçal. Na cidade do interior, aos 11 anos, começou a estudar e trabalhar.
– Foi superação. Fui vender refresco. Vendi por oito anos, junto com meu irmão, para poder estudar. Com 19 anos, ainda estava na oitava série, mas fui convidado para dar aula no seringal e deixei os estudos, por necessidade, e voltei para ajudar na comunidade onde nasci. Tive a sorte de, no ano seguinte que cheguei lá, o governo ter investido na formação de professores que não tinham o ensino médio completo. Graças a isso, concluí o ensino médio em dois anos – relembra.
Apesar das dificuldades, ele conta que nunca pensou em desistir da vida. Segundo o professor, o principal empecilho para superar o problema foi a necessidade de se adaptar a escrever com a mão esquerda.
– Levo uma vida normal. A dificuldade principal não foi nem a questão do psicológico, mas sim a adaptação para escrever com a mão esquerda, pois era destro. O psicológico foi tranquilo. Demorou um pouco até assimilar, mas pensei que Deus sabe o que é melhor pra gente e se isso aconteceu é porque ele tem um propósito na minha vida. Podia ser com meu pai, com um dos meus irmãos, e talvez fosse mais difícil do que foi comigo. Se Ele colocou essa prova é porque sabia que eu iria superar isso e, graças a Deus, superei – afirma.
“O esporte pode fazer uma pessoa melhor”
Dorival destaca que o futebol, único esporte que prática, entrou na sua rotina aos poucos. Como não tinha condições de jogar no seringal onde nasceu, só conheceu o amor pela bola quando passou a residir em Xapuri. E, mesmo com a dificuldade física, ressalta que nunca foi rejeitado na escolha dos times para as partidas.
– Sempre joguei bola em Xapuri, disputei primeira divisão, fui campeão municipal duas vezes. Gosto de jogar, participo de vários campeonatos que me convidam. No início, quando ainda não tinha muito costume de entrosar com pessoal, ouvia muitas coisas tipo: ‘ah, o sem braço’, ‘o aleijadinho’. Mas ignorava. Nunca fui dos piores, sempre joguei mais ou menos, então, o pessoal fazia questão de me chamar, gostavam de jogar comigo.
Dorival terminou o segundo grau com 21 anos e, em 2006, conseguiu entrar em uma faculdade. Atualmente, é formado em letras e trabalha como professor no município de Epitaciolândia, a 230km de Rio Branco. Ele garante que se sente realizado na vida, principalmente por ter superado, junto com os irmãos, os obstáculos que ela lhe propiciou.
– Meu pai faleceu no fim do ano em que retorne à Xapuri, quando eu estava para completar 12 anos. Isso complicou mais ainda a nossa vida. Mesmo assim, conseguimos superar. Tenho objetivos ainda, mas me sinto realizado. Por sair de onde saí, com minha família, com humildade, conseguimos na garra, com muita luta – afirma.
O professor disputou dois jogos (semifinal e final) da Copa Bancária de Futsal desta temporada e marcou dois gols. Campeão da edição 2013 do torneio com o Basa, ele destaca que vive cada dia como se fosse o último e vê no esporte um lazer com o poder de transformar as pessoas para melhor.
– Esporte pra mim sempre foi diversão. Você extravasa, se diverte, brinca. Faz bem para a mente, para a alma, para a saúde. Não se pode desistir nunca. Temos que sempre buscar o melhor para se viver, pois nunca sabemos o dia de amanhã. Viver cada dia intensamente, como se fosse o último, independente do problema que se tenha, pois a vida é única. O esporte pode fazer uma pessoa melhor, desde que se pratique com objetivo, serenidade, respeito aos rivais, sabendo ganhar e perder – finaliza.
Promotor do MPE destaca: “inclusão é tudo”
O promotor de justiça titular da Promotoria Especializada de Defesa da Cidadania do Ministério Público do Acre (MPE-AC), Rogério Voltolini Muñoz, que defende os direitos difusos coletivos e indisponíveis das pessoas com deficiência ou idosas, ressalta que a prática esportiva é apenas um dos direitos garantidos a todos os cidadãos. Segundo ele, em 2014, a promotoria não recebeu nenhuma denúncia sobre casos de dificuldade de acesso ao esporte em Rio Branco.
– Naturalmente, o esporte é um dos direitos fundamentais garantidos a qualquer cidadão, quer tenha ele deficiência ou não, mas não podemos pode ter uma visão tão estreita para achar que só a prática esportiva seja inclusão. Inclusão é tudo. O esporte é mais uma dessas formas na sociedade. Com relação a dificuldade de acesso ao esporte, não recebemos nenhum caso de denúncia. Este ano foi realizada uma paralimpíada em Rio Branco, então não se pode dizer que no município exista obstáculo para a prática esportiva – afirma.
Duaine Rodrigues, GloboEsporte.com