Aracaju

Nessa minha vida cigana, sem muito paradeiro ou destino, já estive em todos os estados brasileiros. Quando começou o ano de 2017, em apenas três estados eu só havia posto os pés uma vez: Piauí, Sergipe e Amapá. Aí, em janeiro eu estive no Piauí e em fevereiro eu fui a Sergipe.

Na primeira vez que eu estive em Aracaju, em 1987, fui participar de um congresso da Associação Brasileira de Cronistas Esportivos. O evento foi realizado numa ilha chamada Barra dos Coqueiros, em frente à capital sergipana. O hotel era um resort superluxuoso, coisa mesmo de cinema.

O único problema daquela viagem foi que quase não sobrou tempo pra ninguém conhecer a cidade. Ficávamos o dia inteiro nas discussões e palestras do congresso e durante a noite ficava ruim para pegar um bote e atravessar da ilha para a capital. O melhor sorvete ficava na outra margem!

A estrela daquele congresso foi nada menos do que o cronista esportivo João Saldanha. Aos 70 anos, ele respirava com dificuldade, por consequência de décadas na companhia de infinitas marcas de cigarro. Mas nada que nos impedisse de admirar a sua lenda e consumir as suas palavras.

Um Saldanha arfante passou dois dos três dias do congresso desfiando as suas vastas memórias, ora de militante político, ora de comentarista de rádio, ora de escritor, ora de técnico, tanto do Botafogo quanto da seleção do Brasil, nas Eliminatórias para o Mundial de 1970.

Ele falou de tudo. Não havia mistério nem restrições na conversa com o então velho homem do futebol. Não se furtou a falar nem do tiro que um dia ele tencionou disparar contra o goleiro Manga (outra lenda do futebol brasileiro), nem da interferência política na sua lista de convocados.

Saldanha confirmou tudo, sem meias palavras. Ir direto ao ponto era o seu estilo. Com ele não tinha esse negócio de treino secreto ou de escalação escondida. A propósito disso, quando, em fevereiro de 1969, ele assumiu a seleção brasileira, já disse logo quem seriam os onze titulares.

Foi a primeira e última vez que eu vi a figura do João Saldanha de pertinho, com a voz dele ao alcance dos meus ouvidos. Três anos depois ele morreria em combate, quando comentava a Copa do Mundo de 1990, nos campos da Itália. Morreu vendo uma seleção brasileira pra lá de medíocre.

Mas eu comecei a crônica falando da minha recente viagem a Aracaju. Simpática e acolhedora, a cidade está mais bela do que sempre. Agora uma ponte faz a ligação com os coqueiros da barra. Num final de tarde, olhei pra ilha e me bateu no peito a lembrança daquele outro tempo!