POR FRANCISCO DANDÃO
Delmar Boaventura Mota, o Bico-Bico, nascido em Rio Branco no dia 27 de dezembro de 1944, foi sem nenhum exagero o maior ponteiro-direito da história do futebol acreano. Medindo menos de 1,60m de altura, ele infernizou a vida dos laterais que tentaram marcá-lo, com dribles curtos e alta velocidade rumo à linha de fundo, durante as décadas de 1960 e 1970.
A carreira do Bico-Bico começou cedo, aos 14 anos, na equipe de juvenis do Rio Branco, no início de 1959, levado pelo então zagueiro Campos Pereira. Depois de um ano nessa categoria de base, ele começou a ser convocado para o time de cima. Mas, como era muito jovem, foi pouco aproveitado e no ano seguinte, 1961, ele se mudou para o Independência.
Foi no Tricolor do Marinho Monte que a estrela do Bico-Bico brilhou com mais intensidade. Inúmeros torcedores, incluindo aí os de outros clubes, costumavam ir ao estádio só para vê-lo em ação. Por conta da sua habilidade, os zagueiros tentavam, via de regra, pará-lo abusando das entradas violentas. Mas ele jamais se intimidou e respondia sempre na bola.
Em 1966, ele tentou repetir as suas atuações com a camisa do Vasco da Gama. Mas a nova parceria não deu certo. No time cruzmaltino ele não teve o mesmo desempenho dos anos anteriores. Quem acompanhou a sua trajetória diz que foi o único ano ruim da carreira dele. De certa forma, tudo indicava que o destino dele estava visceralmente ligado ao Tricolor de Aço.
Volta à boa casa e títulos
Em 1967, Bico-Bico voltou ao Independência, onde permaneceu até o final de carreira, dez anos depois. Foi um tempo suficiente para fazê-lo ganhar três títulos estaduais (1970, 1972 e 1974), ao lado de outros nomes lendários do futebol acreano, como Zé Augusto, Chico Alab, João Carneiro, Aldemir Lopes, Jangito, Nostradamus, Escapulário, Palheta, Flávio… etc.
Foi uma época também de muitos gols marcados. É que, apesar de jogar pelas extremidades do campo (às vezes ele era escalado na ponta-esquerda), Bico-Bico costumava entrar driblando em velocidade, numa trajetória diagonal, estabelecendo um caminho entre o lateral e um dos zagueiros centrais. Nessas situações, ele mandava a bomba do bico da área.
Dois desses gols Bico-Bico costumava contar sempre que se encontrava em uma roda de memórias. O primeiro, contra o Paysandu, de Belém, quando ele, aproveitando um rebote de uma bola chutada no travessão, pelo também atacante Ociraldo, dominou no peito e mandou de primeira sem deixar cair. O goleiro nem se mexeu e o jogo acabou empatado.
O outro gol que o ponteiro costumava lembrar nas suas conversas aconteceu num jogo contra o Floresta, time pequeno que tomava goleadas de todo mundo. “Não foi um gol bonito, foi um gol importante”, ele dizia. É que o Floresta, nesse dia, resolvera engrossar o caldo e estava segurando o empate até o final. Bico-Bico fez o gol da vitória Tricolor já nos acréscimos.
Convites de outros centros
Praticamente todas as equipes que jogavam amistosos no Acre tratavam de convidar Bico-Bico para fazer parte dos seus elencos. Dos estados do Amazonas e do Pará, então, choviam convites para o craque se profissionalizar. Tímido e profundamente ligado à sua terra natal, a todos ele recusava com um eterno sorriso nos lábios. Jamais quis sair de Rio Branco.
Em 1968, a propósito de convites para se profissionalizar como jogador de futebol, surgiu a sua maior oportunidade de vestir a camisa de um time de outro Estado. É que ele passava férias no Ceará e todas as tardes batia a sua peladinha na praia. Um olheiro do Fortaleza o viu em ação e o convidou para fazer um período de testes. Ele, porém, não aceitou o convite.
A tese entre os torcedores e jogadores contemporâneos do Bico-Bico é a de que ele não aceitava os convites para jogar em outros centros porque era um boêmio inveterado, empreendendo longas farras nos bares da capital acreana. O que tornava incompatível uma carreira como jogador profissional. O detalhe pitoresco, nesse sentido, é que ele quanto mais bebia, mais jogava!
Bico-Bico, denominado o “Garrincha do Acre”, ironicamente, tal e qual o craque que lhe emprestava o apelido comparativo, faleceu vítima de uma cirrose hepática, aos 64 anos, em setembro de 2009. O seu nome, a sua memória e as suas histórias, porém, jamais poderão ser esquecidos por todos aqueles que tiveram a “boa ventura” de vê-lo brincando de jogar bola.
MATÉRIA PUBLICADA NO FUTEBOL ACREANO EM REVISTA