Cabeleiras

O futebol brasileiro da década de 1970 foi pródigo em revelar grandes artistas da bola. Aqueles caras íntimos da deusa branca, que brincavam de fazer amor a cada partida, sob os olhos delirantes da multidão. E isso tanto faz se em grandes estádios ou em acanhadas praças esportivas do interior.

Provavelmente essa profusão de grandes jogadores tenha relação direta com a conquista do tricampeonato pela seleção brasileira, nos gramados do México, justamente no ano de 1970, sequenciando um desempenho que passou pelos gramados da Suécia (1958) e do Chile (1962).

Mas existiu uma outra grande caraterística dos craques dessa época, além do fino trato com a bola. Exatamente o cuidado que eles dedicavam às respectivas cabeleiras. Qualquer que fosse a característica dos cabelos, crespos ou lisos,os caras se dedicavam a cultivá-los com o maior esmero.

É certo que havia alguns exageros. Os sujeitos de cabelos crespos, por exemplo, não raro passavam mais de ano sem cortá-los. Seguiam a linha “black power”. Tinham que penteá-los com uma espécie de garfo. Quer dizer, penteá-los mesmo não, armá-los bem para o alto das suas cabeças.

Já os camaradas de cabelos lisos costumavam deixar as madeixas crescerem até a altura dos ombros, estilo Jesus Cristo ou John Lennon (de acordo com a religião do freguês). Esses, então, tinham que prendê-los em forma de coque ou amarrar uma fita para não deixar que caíssem nos olhos.

Existiam também criaturas da turma dos cabelos “rebeldes” que nem cortavam o cabelo à escovinha nem deixavam que o dito crescesse demais. O cabelo ficava “cheio”. Esses tinham que se virar com um fixador de nome Glostora ou então usar na cabeça uma redezinha de guardar frutas e verduras.

No futebol acreano, como não poderia ser diferente, teve de tudo um pouco. Eu me lembro de vários jogadores que se enquadravam em cada um desses modismos: os da redezinha segurando os caracóis, os lisos da fitinha amarrada e os black power cujo feitio ajudava a protegê-losda chuva.

Os craques Pituba (Andirá) e Milton (Juventus) estavam entre os que não dispensavam uma redezinha para prender a cabelereira. Xepa (Juventus) e Ronildo (Rio Branco) foram bons representantes da turma do “garfo”. E o lateral Uchoa gastava todo o salário com fitas para o cabelo e shampoo.

O Uchoa, aliás, que jogou no Independência e no Andirá, costumava fazer a galera ir ao delírio quando se apresentava para cobrar um escanteio. É que ele, invariavelmente, antes de fazer a cobrança, tirava um pente do meião e tratava de arrumar o cabelão. “É pra sair bem na foto”, explicava.