Chuva e decisão

Peguei a estrada e fui à Brasiléia, lugar onde eu nasci há mais de 60 anos, no feriado da Proclamação da República. Quando a gente diz que foi (ou vai) à Brasiléia, a tradução disso é uma viagem à Cobija, capital de Pando, na Bolívia, separada do Brasil apenas por um rio de águas amarelas.

Dessa vez, porém, a minha intenção era mesmo ficar zanzando e fotografando detalhes de Brasiléia. A ideia era deixar os meus companheiros de viagem percorrendo as mesmas ruas tristes de Cobija, enquanto eu procurava detalhes escondidos da minha memória no lado de cá do tal rio.

Acabei vendo as minhas expectativas frustradas. É que mal peguei a estrada, um daqueles torós diluvianos se abateu sobre a minha cabeça. Eu andava alguns quilômetros e olhava pra cima, na esperança de ver as nuvens pesadas se dissipando. Esperança vã. Quanto mais eu olhava, mais chovia.

Chovia tanto no meu trajeto que eu cheguei a pensar que toda aquela precipitação pluviométrica era algum tipo de castigo divino pela minha traição com a seleção brasileira, uma vez que eu deixara de ver o confronto contra os argentinos para pegar uma estrada rumo às terras da fronteira.

E então, como a chuva não me deixou procurar as marcas dos meus antigos rastros pelas ruas de Brasiléia, eu acabei passando a hora do jogo do Brasil com a Argentina dentro de um carro, numas das muitas avenidas (se é que se pode chamar assim) esburacadas e enlameadas da cidade boliviana.

Ali, dentro do carro, cercado de água e lama, eu tentava ler um livro enquanto esperava os meus companheiros de jornada, mas o pensamento teimava em me mandar para a bela Abu Dhabi, querendo adivinhar de quanto a seleção brasileira poderia estar ganhando da famigerada Argentina.

Fiz inúmeras tentativas de ligação para algum parceiro no Brasil que pudesse me informar o andamento do jogo, mas o celular não conseguia dar linha. Ao atravessar para o lado boliviano o celular não pega mais nem gripe. Silêncio total. Nenhum sinal de internet. Fora do mapa, fora do planeta!

Lá pelas tantas, tirei um cochilo. Dizem os magos que quando a gente dorme o espírito voa para longe. E como eu acredito nisso, foquei o pensamento, antes de adormecer, nos Emirados Árabes, e no jogo do Brasil. Dito e feito: dormi e sonhei com um gol do Gabriel Jesus (de pênalti!).

Aquele gol do meu sonho era tão real que eu peguei a estrada de volta na maior euforia. Só fiquei sabendo que estava tudo errado quando cheguei em Capixaba e perguntei para alguém o resultado do jogo. Um a zero pra eles! Aí eu decidi: nem viajo, nem durmo mais em dia de jogo do Brasil!