O novo livro de reunião de crônicas de Francisco Dandão, a despeito das constantes jocosidades nas palavras desse mestre na arte de escrever, indica um futebol brasileiro com um movimento que só podia dar no que deu. “Joelhos de vidro, manguaça e outras crônicas” conta com textos publicados desde o início dos anos 2000 até recentemente pelo jornalista e escritor acreano.
Já na segunda crônica, editada em novembro de 2000, o autor indica o emaranho que é falar de uma CPI do futebol instalada no Congresso – tratou-se de uma das primeiras desse tipo na casa (que mudou pouco em relação a última, do Romário): “…com toda a informação proporcionada pela mídia, com todo o circo, com todas as declarações, personagens nebulosos, acusações e desmentidos, não é nada fácil escrever com propriedade sobre uma CPI. Pior ainda, em se tratando de uma CPI que pretende investigar o submundo do futebol”.
Em julho de 2004, Dandão chama a atenção em sua crônica, na chegada final do Campeonato Acreano daquele ano, que além do futebol em campo, fora dele viu desinteresse do público e suposto ato de dopping financeiro (conhecido como mala de dinheiro de incentivo para ganhar ou perder) nos bastidores.
Mais à frente, no texto “O futebol global e aldeia”, a sua crônica habitual de cavar algo engraçado dá lugar há um relato muito real do futebol brasileiro e acreano – lembro que essas palavras saíram há 10 anos.
Esse texto aborda o futebol globalizado, “onde manda quem tem mais dinheiro”. Um atleta jura amor eterno a um clube um dia, no outro “beija a camisa do inimigo mortal de ontem”. Segue a narrativa do Brasil como fornecedor de mão de obra qualificada e barata para o futebol mundial.
Ainda nessa crônica, ele comenta as constantes convocações à seleção brasileira onde praticamente são chamados atletas que atuam fora do País. Em outra vertente, o texto fala do grande contingente de jogadores que chegam de outros estados para jogar no Acre, “…nem sempre com a qualificação requerida (aludida), mas, isso sim, por indicação de um amigo ou empresário”.
Não precisa desenhar para entender o texto: mostra-se nele a falta de vínculo de jogadores com os clubes e a própria seleção de seu País, já que as precoces e constantes andanças, principalmente além-mar, só pode dar nisso.
Já em janeiro de 2013, poderia dizer que Dandão quase profetizou. Depois de relatar a decadência do futebol brasileiro a partir dos indicadores do ranking da Fifa, no fim do texto (intitulado “Será que pode ficar pior?”), sentenciou: “Nessa toada, galera, mesmo não querendo dar uma pitonisa do apocalipse, que me parece que daqui a pouco a nossa seleção estará atrás do último no ranking da Fifa. Se duvidar, já na próxima lista será ultrapassada pela Suécia e a Bélgica, as duas que estão hoje logo abaixo. Eca. Vade retro!”
As crônicas do livro seguem, passando pelo desastre da Copa de 2014 – “a roda de bobo” que entramos. O conjunto de textos do livro de Francisco Dandão é uma bem-humorada reflexão do futebol, seus encantos, seus personagens (bons ou não de bola), sua magia – entremeado com o inevitável que, pode se dizer, desaguou nessa crônica vivenciada por nós pós-Copa de 2018.