O Estado (leia-se os entes federativos brasileiros), diretamente e com recursos públicos próprios, realizam inúmeras competições desportivas com o fim especial de fomentar práticas desportivas formais e não-formais no âmbito de suas competências, tudo a atender o disposto no artigo 217, caput, da Constituição Federal de 1988.
Contudo, não raramente, alguns regulamentos de competições realizadas pelos entes federativos não observam regras e princípios basilares previstas no arcabouço jurídico brasileiro, notadamente as normas constantes na Constituição Federal de 1988 e no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD).
Aqui, chamo atenção as eliminações sumárias de atletas (e outros atores de práticas esportivas) e de julgamentos realizados a revelia das agremiações participantes.
Punições estas que, ainda que possam ser previstas nos regulamentos de competições com fins de prevenir condutas incompatíveis com as práticas esportivas, não podem ser aplicadas de forma a vedar o exercício dos direitos fundamentais relativos ao devido processo legal, a ampla defesa e ao contraditório.
É que as normas do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), nos termos do que expressado no artigo 1º, submetem as suas disposições as entidades nacionais e regionais de administração do desporto e aos atletas (profissionais e não profissionais), ainda que sob o regime de tratamento diferenciado (artigo 1º, §2º).
Assim, mesmo diante da permissividade conferido as entidades públicas de aplicarem sanções correspondentes às violações à disciplina e à organização do desporto, tal fato não retira delas a obrigatoriedade de, em quaisquer procedimentos sancionatórios e pena de nulidade do processo, observar regras e princípios legais, dentre os quais destacam-se a legalidade, a ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LIV, CF/88).
Entender de forma diferente, além das precedentes considerações, é atribuir aos relatos de árbitros em súmulas caráter absoluto, o qual, nos termos do que disposto no artigo 58, §1º, do CDJD, não se coaduna com a realidade, na medida em que a súmula de quaisquer atividades desportivas possui presunção relativa de veracidade, servindo apenas os relatos para eventualmente fundamentar a denúncia ou para sua utilização como meio de prova.
No Estado Democrático de Direito não se pode punir sumariamente: a todos, nas esferas criminal, civil, administrativa e desportiva, são assegurados os meios de defesas e recursos a ele inerentes em quaisquer tipos de processos (administrativos e judiciais), nos exatos termos do que disposto no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal de 1988.
Com efeito, qualquer punição administrativa a ser imposta pelos entes federativos organizadores de atividades desportivas sem observância de tais postulados a torna ilegal e inconstitucional quando não proporcionados aos atores das práticas de esporte (atletas, técnicos, dirigentes, árbitros, torcedores, cronistas, etc.) a oportunidade de se defenderem daquilo pelo que estão sendo processados e julgados.
De registrar que, em situações como as exemplificadas anteriormente (eliminação sumária e desenrolar de processo punitivo disciplinar alheio ao conhecimento dos envolvidos), deve a Administração Pública organizadora do evento declarar a nulidade do ato administrativo punitivo, com respaldo na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal (STF), segundo a qual a “administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. (Não destacado no original).
Isto não ocorrendo, ainda que existente vedação inicial, o lesado poderá, esgotada a via administrativa desportiva, pleitear junto ao Poder Judiciário a nulidade da punição imposta (art. 217, §1º, CF/88), muito mais considerando que é direito de todo cidadão, seja ele pessoa física ou jurídica, o acesso ao Poder Judiciário para prevenir ou coibir ameaça de direitos, conforme aludido no preceito constitucional disposto no artigo 5º, inciso XXXV, da Lei Fundamental brasileira.
Conclusivo, portanto, que os processos de natureza desportiva, ainda que organizados por entes federativos, estão sujeitos aos princípios constitucionais de ampla defesa e do contraditório, vez que a primazia da justiça desportiva não exclui da apreciação do Poder Judiciário, em última instância, os fatos e as infrações disciplinares relacionados com o desporto amador ou profissional (artigo 217, §§ 1º e 2º da Constituição Federal de 1988).
Francisco Valadares Neto, brasileiro, divorciado, nascido em 12 de março de 1971, na cidade de Galileia/MG, é filho de Francisco Luiz Valadares e Solange de Souza Fagundes, graduado Bacharel em Direito pelo Instituto Luterano de Ensino Superior de Ji-Paraná (ILES/ULBRA), exercendo, desde 2001, a profissão de advogado na República Federativa do Brasil. Concluiu, em 2004, pós-graduação em Direito Público pela Faculdade Integrada de Pernambuco (FACIP), obtendo o título de Pós-Graduado em Direito Público. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, na cidade de Buenos Aires/Argentina.