Em nome da memória

Gosto de fazer exercícios de memória. Provavelmente seja por isso que eu viva escrevendo as histórias de ex-jogadores do futebol acreano. É uma tarefa de Sísifo, eu sei. A pedra, tal como na narrativa mitológica, vai sempre rolar ladeira abaixo tão logo seja depositada no alto da montanha.

Independente, porém, da fugacidade da tarefa, eu acho um verdadeiro barato (gíria antiga essa, hein?) descobrir historinhas de bastidores e recordar figuras que fizeram a alegria de muitos de nós em antigas tardes de domingo. Afinal, eu acho que todos merecem pelo menos algum fiapo de lembrança.

Então, nessas de arqueologia do passado, lembrei de duas figuras pitorescas do futebol acreano, ambos atacantes, ambos velozes, ambos habilidosos, ambos jogando pelos lados do campo, daquele tipo de causar pesadelos nos laterais adversários. Chamavam-se Bico-Bico e Edson Urubu.

Pelo menos dois laterais adversários, que me vêm à memória, abandonaram as quatro linhas depois de um confronto com o Bico-Bico, cujos maiores feitos se deram com a camisa do Independência, e com o Edson Urubu, que tornou-se ídolo defendendo as cores do vetusto Andirá.

O lateral que abandonou o futebol por conta do Bico-Bico se chamava Joraí. As línguas registram que um dia o Joraí pegou tanto drible do Bico-Bico que saiu de campo com labirintite. Coisa séria. Diz-se que o Joraí teve até que fazer um tratamento intensivo com um ginecologista boliviano.

Claro que não dá para a gente saber se é verdadeira essa história do Joraí se tratar com um ginecologista patrício. Com o passar do tempo, não raro, os línguas de trapo vão acrescentando uns pontinhos aos seus relatos. Mas que o Joraí, numa certa época, vivia indo a Cobija, isso é verdade sim.

Já o Urubu, conta-se que ele acabou com a carreira de um zagueiro chamado Sifilim (não sei a origem do nome, ou se é sobrenome, ou se é apelido), capitão do Santos da Isaura Parente. Lá pelas tantas, diz-se, o Edson Urubu derrubou o sujeito com um drible e na queda ele quebrou três dentes.

Na minha adolescência, eu era “rato” do estádio José de Melo. Morava numa das travessas do bairro da Capoeira e passava todo o meu tempo livre por ali. Assistia a tudo, desde treinos do Rio Branco até o campeonato suburbano. Não lembro desse lance. Mas lembro do Sifilim todo banguela.

É isso. O meu arsenal de histórias do futebol acreano das antigas é deveras extenso. E cada vez aumenta mais à medida em que eu vou entrevistando ex-jogadores. Em nome da memória, qualquer dia eu conto outras. Ninguém merece a infâmia de ser definitivamente esquecido!