MANOEL FAÇANHA
O cruzeirense Juliano de Souza Lima Leite, 49 anos, é uma daquelas figuras incansáveis que contribuiu e continua contribuindo para o giro da roda da cultura popular no segundo distrito da cidade de Rio Branco-AC. Fundador da torcida atleticana “Sangue Azul” e amante do bom samba, principalmente do quesito enredo, Juliano Lima sobrevive da renda do seu salão de beleza, localizado num box do mercado do bairro XV, onde diariamente recebe inúmeros clientes.
Na tarde da quarta-feira (14), o eclético Juliano Lima recebeu no seu recinto de trabalho o site na “Marca da Cal” para contar um pouco da sua trajetória como atleta da base do Galo Carijó, ritmista, amante do samba e líder de torcida organizada.
As origens e a chegada à capital
Filho do cruzeirense Júlio Lopes (já falecido) e da amazonense (Eirunepé) Rita Soares, 76 nos, Juliano Lima migrou do populoso bairro da Glória, na cidade de Cruzeiro do Sul, para o tradicional bairro da 06 de Agosto, um dos mais antigos da capital acreana e cheio de peculiaridades que vão do futebol à música, isso no longínquo ano de 1978.
Segundo Juliano, foi no bairro 06 de Agosto que ele viveu grande parte da sua infância e adolescência. Foi neste populoso bairro banhado pelas águas barrentas do rio Acre que ele manteve os primeiros contatos com o samba, a bola, a tesoura e a sua paixão: o Galo Carijó.
Na infância, Juliano conta que o primeiro emprego foi na função de office boy (num projeto social executado pela PMAC), quando prestou serviços no Banacre, agência Matriz, isso no final dos anos de 1980 e início dos anos de 1990.
Na busca de fortalecer a renda familiar, ele, ainda nos primeiros anos de 1990, passou a observar com carinho o trabalho da mãe no corte de cabelo de clientes. “Eu achei aquilo muito bacana e coloquei na minha cabeça que eu poderia cortar cabelo tão bem quanto a minha mãe, apesar das primeiras experiências não terem sido das melhores”, lembrou sorridente Juliano.
Uma das aventuras marcantes no início da profissão de cabelereiro, Juliano conta que foi o fato de cortar o cabelo de um amigo, isso em cima da caixa d’água do bairro da 06 de Agosto. “Eu era muito novo e tinha muita adrenalina e topei o convite do meu amigo Alexandre Tifun (integrante da extinta Banda Sam Brasil) para fazermos essa façanha”, relembrou Juliano.
Juliano frequentou a lateral direita do Atlético-AC
No início dos anos de 1990, o baixinho e destro Juliano, assim como toda criança/adolescente, sonhava em ser jogador de futebol. A persistência era tamanha que o nosso personagem chegou a fazer testes no AC Juventus e, posteriormente, no Atlético Acreano. No clube celeste, onde a paixão pela agremiação já corria nas veias do corpo, veio a aprovação. Segundo Juliano Lima, ele teria mandado bem nos treinos e passou a fazer parte das categorias de base do clube celeste, inclusive figurando por algumas vezes entre os reservas da equipe de profissionais, mas optando em não seguir a carreira de atleta para se dedicar à profissão de cabelereiro e ao sustento da família de nove irmãos. “Eu sabia jogar uma bolinha, tanto que fui relacionado algumas vezes para a suplência do time profissional. No entanto, as condições financeiras do futebol periférico no nosso país sempre foram muito difíceis. Então, resolvi colocar um ponto final naquele sonho e me dedicar à profissão de cabelereiro para ajudar no sustento da minha família”, disse o ex-atleta.
A paixão pelo samba e o glamour da Sapucaí
Com o sonho de jogador deixado de lado, o inquieto Juliano Lima passou a se dedicar mais ao samba, uma outra grande paixão da sua vida. Nesta área cultural, ele estreou como um dos integrantes do bloco “Urubu Cheiroso”, passando ainda pelas agremiações Bafo do Bode, Bem-te-vi, Vila do Fuxico e Unidos do Bairro 15, onde chegou à função de ritmista de bateria.
A curiosidade pela música, principalmente na composição de samba enredo, fez ele apreender muito a respeito da sonorização de instrumentos musicais, tanto que ficou conhecido como um dos bons ritmistas do samba da cidade de Rio Branco-AC. Juliano explica que um dos responsáveis de ensinar essa arte de manusear os instrumentos musicais do samba a sua pessoa diz respeito à figura do mestre Coca, irmão do saudoso sambista Da Costa.
Empurrado pela cifra: “Quando eu não puder pisar mais na avenida. Quando as minhas pernas não puderem aguentar. Levar meu corpo junto com meu samba…”, Juliano Lima resolveu por três carnavais seguidos fazer parte dos integrantes das escolas de samba do Caprichosos de Pilares (2006), Unidos da Tijuca (2007) e da Estácio de Sá (2008). “Essa minha presença, por três anos seguidos, na Marquês de Sapucaí, na Cidade Maravilhosa, espaço glamuroso do samba carioca, foi algo mágico na minha vida de sambista. Vou levar essa emoção para o resto dos meus dias de vida”, disse Juliano Lima com ares de saudosismo e alegria.
Juliano, além da experiência no carnaval do Rio de Janeiro, participou ainda de dois desfiles de escolas de samba na cidade de Manaus-AM, como passista, nas escolas Unidos do Alvorada e Unidos da Aparecida.
De fundador da “Sangue Azul” a diretor do Galo Carijó
Na segunda metade da primeira década dos 2000, o Galo Carijó vivia uma crise financeira sem precedência e um jejum de títulos de quase 20 anos. Com a saída do poder do saudoso presidente José Humberto, o clube passou a ser presidido pela dupla Edson Izidório e Alzerino Paiva (Azeitona). O modelo da nova gestão administrativa uniu o clube e a partir daí houve a ideia da criação da torcida organizada “Sangue Azul”, capitaneada pelo sambista/cabelereiro Juliano Lima, algo concretizado em 2011.
A criação da organizada e o trabalho realizado pela nova diretoria trouxeram ares de vida nova ao clube e o reflexo disso foi a presença dos torcedores que, andavam “adormecidos” nas poltronas de suas residências, para as arquibancadas dos estádios acreanos. “Foi um trabalho de formiguinha que, aos poucos, com o esforço de toda a diretoria e de alguns simpatizantes, trouxe de volta a presença em grande número dos torcedores atleticanos para as arquibancadas”, comentou Juliano.
Com quase duas décadas sem um título no profissionalismo, o Galo quase quebrou o tabu na temporada 2014, mas perdeu a taça nas cobranças de pênaltis para o Rio Branco, após ceder o empate no tempo normal. “Foi uma noite muito triste para o torcedor celeste que compareceu com mais de dois mil presentes às arquibancadas do estádio Arena da Floresta”, lembrou o chefe da torcida organizada “Sangue Azul”.
Dois anos depois, a seca de títulos ficou para trás, com a conquista do Campeonato Acreano/2016. No mesmo ano, o time quase garantiu acesso para a Série C, mas perdeu a vaga, em casa, para o Moto Clube-MA. No ano seguinte, veio o bicampeonato estadual e o acesso para a disputa da Série C e, posteriormente, em 2018, o Galo Carijó, com um futebol fino e ofensivo, chegou a ser uma das sensações da Série C. “Foram três anos de muitas alegrias para o torcedor atleticano, com arquibancadas abarrotadas de torcedores com a camisa celeste no corpo”, lembrou emocionado Juliano Lima.
Na temporada de 2019, o casamento da torcida celeste com o clube quase virou divórcio, isso justificado pelo rebaixamento do time para a Série D. Outros fatores também pesaram para o desgaste entre clube e torcedor, como o passivo de dívidas (ações trabalhistas) e inúmeros erros administrativos da gestão então vigente na época. “Infelizmente, além dos resultados ruins em campo, o clube passou a enfrentar uma crise financeira sem precedência, muitas delas ocasionadas por ações trabalhistas. Portanto, isso tudo, associado a resultados ruins e formação de equipes pouco competitivas, contribuíram durante os últimos anos para a ausência do nosso torcedor nas arquibancadas”, analisou Juliano.
Respondendo pela função de diretor comercial na atual gestão do Atlético Acreano, Juliano Lima analisa que a situação do clube não é das melhores, principalmente após a queda para a 2ª Divisão do Acreanão 2025. “Precisamos criar alternativas para buscar novos sócios, parceiros e patrocinadores, entre outras ideias para o fortalecimento de um dos maiores patrimônios do Segundo Distrito que é o clube Atlético Acreano”, pontuou o diretor.
Salão temático é termômetro do futebol e da política
Localizado num dos boxes do Mercado do Bairro XV, o salão do Juliano (Juliano Cabelereiro) apresenta aos seus clientes um visual de fotografias de parte da memória do Acre, principalmente no requisito futebol e antiguidade da cidade (pessoas, prédios entre outros). Também pode ser observado nas paredes vários instrumentos, como uma poronga (ferramenta usada para auxiliar o seringueiro no corte da borracha, principalmente durante os dois ciclos áureos da extração do látex), troféus, uma faixa de campeão de basquete (presente doado pelo pai do atleta Marcelo Mourão), um aparelho celular das antigas, uma máquina fotográfica analógica, um aparelho de rádio a pilhas, discos de vinil e um gravador de mão, entre outros objetos. No recinto aconchegante e climatizado, os visitantes podem ainda comprar por um preço justo (R$ 70) a camisa do Atlético.
Há décadas existem rumores de que o barbeiro/cabeleireiro (a) é o segundo (a) psicólogo (a). O Salão do Juliano, por exemplo, recebe muita gente, de várias faixas etárias, estilos, profissões e classes sociais. Os assuntos são os mais variados possíveis, mas não pode faltar política e futebol, dois assuntos que trazem algumas pitadas de polêmicas. Juliano explica que numa sociedade é natural o debate, mas, acima dele, é preciso o respeito de um para com o outro para o bom convívio social.
Vascaíno convicto, Juliano Lima é pai de um único filho, o santista Gabriel, fruto do relacionamento com a esposa Margoth Feitosa. O cabelereiro recebe diariamente vários fregueses de agremiações diferenciadas em seu estabelecimento de trabalho. Segundo ele, no mundo do comercio é preciso ter muita inteligência para não perder o freguês por uma discussão boba, seja de política ou futebol. “O futebol foi criado com intuito de alegrar as pessoas, não somente aqueles que estão praticando, mas também aqueles que estão assistindo aos jogos. Portanto, não vejo sentido criarmos algum tipo de intriga por conta dessa arte popular que surgiu para alegrar os habitantes do planeta inteiro. Já a política foi criada para o bem comum da sociedade e o debate de ideias é inevitável, mas tudo dentro de uma respeitabilidade entre os debatedores”, pontuou Juliano Lima.
Com um discurso voltado ao fortalecimento da cultura (música/samba e futebol), Juliano Lima colocou seu nome à disposição da sociedade para brigar por uma vaga nas eleições para a Câmara Municipal de Rio Branco – 2020. Na época, Juliano era filiado ao PSDB, obtendo 534 votos. “Foi uma experiência muito boa, mas na política é preciso um conjunto de fatores que vai desde o apoio financeiro às articulações para se alcançar os objetivos”, comentou Juliano.
Juliano elege sua seleção celeste
Pra encerrar a entrevista, Juliano Lima foi desafiado a escalar sua seleção do Atlético Acreano. Confira quem ele escalou: Antônio José; Marquinhus Amor, Ricardo, Paulão e Gerson; Daniel, Gilmar Sales, Tinda e Joãozinho; Paulinho Rosas e Amarildo. Não satisfeito, ele ainda citou outros seis nomes que poderiam também fazer parte dessa lista: Tidal (goleiro), Dodi (zagueiro), Oton (volante), Rafael Barros, Polaco e Eduardo (atacantes). A foto posada acima é do titulo estadual de 1987.
Como dirigente esportivo, o nosso personagem elegeu o ex-presidente celeste Edson Izidório, enquanto, na sua visão, o melhor técnico foi o professor Álvaro Miguéis e o melhor árbitro foi o saudoso José Ribamar Pinheiro de Almeida.