Histórias da bola na lembrança de um ex-goleiro

Francisco Dandão

Existe mais de uma versão sobre quem teria criado o Dia do Goleiro, cuja comemoração se dá nesta segunda-feira, 26 de abril. A mais aceita delas dá conta que foi idéia de dois professores da Escola de Educação Física do Exército brasileiro. No caso, o tenente Raul Carlesso e o capitão Reginaldo Pontes. Isso, em meados dos anos de 1970, numa festa realizada no Rio de Janeiro, que reuniu jogadores e ex-jogadores da referida posição.

Pode-se dizer que um foi uma idéia deveras interessante, levando-se em conta que o goleiro é justamente o jogador mais suscetível à instabilidade do torcedor, que o aplaude delirantemente quando ele faz uma defesa milagrosa, mas também o vaia impiedosamente quando ele leva um gol numa bola considerada sem grandes dificuldades. O fio da navalha é a linha da vida e da morte por onde caminha o goleiro durante a sua carreira.

Depois de parar de jogar, salvo as exceções de praxe, o goleiro continua seu calvário, sendo mais rapidamente esquecido, tanto por torcedores quanto pela imprensa especializada. Isso quando não sofre para sempre o estigma de uma falha capital. Caso, por exemplo, do guarda-metas do Brasil na Copa de 1950, Moacir “Barbosa” Nascimento, eleito o maior culpado da derrota da equipe nacional para a seleção do Uruguai.

Pois foi nessas de esquecimento da mídia que eu e o amigo Façanha encontramos, em Sabará, um desses heróis do passado, quando da nossa ida ao congresso da Associação Brasileira de Cronistas Esportivos, em Minas Gerais, em março de 2010. Djair, à época com 71 anos, carioca que migrou para Belo Horizonte no início dos anos 60, e que acabou fazendo história no futebol mineiro, sagrando-se campeão estadual em 1964, pelo Siderúrgica.

Baixinho (1,68m), grandes óculos escuros escondendo os olhos, Djair marca ponto quase todos os dias no Bar Ratoeira, perto da Praça Santa Rita, onde meia dúzia de amigos, sentados numa mesa de plástico, invariavelmente repleta de cervejas, pedem que ele conte novamente alguma das histórias do seu tempo. O velho ídolo sorri. Sabe-se lá quantas vezes já contou a mesma história. Não importa, ele vive tudo outra vez.

“Nós tínhamos um time sensacional. Não tinha nada para o Cruzeiro nem para o Atlético”, diz Djair para os dois curiosos acreanos. “Pena que naquele tempo os salários eram muito baixos. Dois ou três salários mínimos, mais ou menos. Ninguém ganhava essa fortuna que se ganha hoje. Tanto que depois que eu parei, fui tentar a vida nos Estados Unidos. Fiquei cerca de dez anos por lá. Mas não aguentei a saudade”, explica.

O time campeão de 1964? Djair escala como se a decisão tivesse acontecido na semana passada. “Eu; Chiquito, Zé Luis, Dawson e Geraldino; Edson e Paulista; Ernani, Silvestre, Noventa e Tião Cavadinha. O técnico era o Iustrich. Nós metemos 3 a 1 no América. Um show de bola. Foi uma festa aqui em Sabará. Fomos os últimos Campeões mineiros antes da construção do Mineirão. Depois, sem patrocínio, o time se acabou”.

Poderíamos passar horas ouvindo as histórias desse ex-goleiro, que vive hoje com um salário de funcionário público municipal aposentado. Mas tínhamos que pegar um avião nas lonjuras de Confins. Saímos do Ratoeira acompanhados pela voz da Alcione, que fluía de uma vitrola nos fundos do bar: “Não satisfeito, esse meu coração explode no peito… Falta alguém pra me tirar do chão… Alguém pra ser a dona da minha razão…”.

A dona da razão do ex-goleiro Djair, último campeão mineiro antes da era Mineirão, um dia foi a bola. Hoje é a sua própria memória!