Inferno astral

Antigamente, quando se falava do espaço territorial brasileiro, praticamente a única alusão ao inferno era quando alguém queria falar das dificuldades do homem amazônida. Aí, contrapondo-se ao “paraíso perdido” preconizado por Euclides da Cunha, a turma falava num tal “inferno verde”.

Nos tempos correntes, porém, mais do que um “inferno verde”, fica cada vez mais rotineiro se falar de um certo “inferno astral”. Nesse caso, a situação pode atingir a todo mundo, tanto faz se a galera dos “arquibaldos”, dos “geraldinos” (termos do cronista Nelson Rodrigues) ou quaisquer outras.

Veja-se que até caras frequentadores assíduos das cozinhas do poder instituído, “assim com os homens”, amigos íntimos mesmo, cheios de fotografias de braços dados, olhos nos olhos e juras de amor eterno podem (na verdade, “estão”) ser descobertos com dinheiro escondido na cueca.

Esconder numerário na cueca, diretamente na região do traseiro, é tão escatológico que subverte inclusive o conceito corrente da “lavagem de dinheiro”. Como eu vi o ex-lateral Sabino (irmão do saudoso atacante Antônio Júlio) conceituar nas redes sociais, isso tá mais pra “dinheiro sujo”.

Ou então, mudando de pau pra cacete, o que se poderia dizer de um traficante condenado que sai pela porta da frente do presídio, fruto de uma decisão legal? E depois o cara some. Detalhe: quem faz a lei não são os juízes, quem faz a lei são os congressistas. Só pode ser o tal “inferno astral”.

No terreno do futebol, como se poderia conceituar a demissão de técnicos vencedores, como foi o caso nessa semana que está a findar do Vanderley Luxemburgo, no Palmeiras da Série A, e do Celso Teixeira, no Rio Branco da Série D? Como conceituar? Só me ocorre o “inferno astral”.

O Vanderley Luxemburgo caiu depois de três derrotas seguidas. Mas e daí? Quantas partidas de invencibilidade esse cara não ficou com o Palmeiras (tudo bem que teve um monte de empates)? O time não foi campeão paulista? E também não vem mandando bem na Libertadores?

Enquanto isso, o Celso Teixeira não vinha fazendo um trabalho de excelência no Rio Branco, deixando o time invicto na Série D, em segundo lugar no seu grupo? Então, qual pecado tão grave esse treinador teria cometido nos bastidores para ser assim tão sumariamente demitido? Qual?

Pra mim, tudo faz parte do tal “inferno astral” pelo qual o Brasil está passando. E vejam que eu não falei dos milhares de mortos pela pandemia, em boa parte pelo descaso de determinadas autoridades públicas, ou dos incêndios no Pantanal, ou da corrupção galopante… Vade retro, cão-tinhoso!