De uma das janelas aqui do apartamento onde eu moro, em Fortaleza, dá para ver um campinho de futebol desses de pouquíssima grama. E todos os dias, religiosamente, uma porção de marmanjos de variadas idades, tamanhos, cores e raças se reúne no local para bater a sua peladinha.
A pelada, invariavelmente, começa no finalzinho da tarde. E dá tanta gente querendo participar que, quase sempre, formam-se três ou quatro times. O time que toma um gol dá a vaga para outro. Se não sair gol em até 15 minutos, decide-se o vencedor na disputa de pênaltis alternados.
No rolar da bola se pode ver de tudo um pouco. Desde uns sujeitos magrinhos dribladores, desses que escondem a redondinha no arco das pernas, passando por criaturas parrudas que desferem sarrafadas para todo lado, até uns quantos que não acertam um passe a meio metro do corpo.
Dentro dessa turma que não acerta um passe de meio metro, a julgar pela minha percepção à distância, está o dono da bola. Pelo menos é sempre ele que eu vejo chegar ao local com a dita cujo debaixo do braço e, na sequência, quem primeiro escolhe os jogadores que formarão o time dele.
Aliás, por falar na bola, acho um verdadeiro milagre que ela ainda acabe inteira ao final de cada sessão. São tantos os maus tratos aos quais ela é submetida que se pode dizer que a referida é uma verdadeira heroína da resistência. Apesar de desgastada, porém, ela sempre volta no dia seguinte.
O árbitro, esse merece um parágrafo à parte. Todas as suas decisões (todas mesmo!) são contestadas pelo time penalizado. E, não raro, tem jogador querendo dar-lhe uns sopapos. Mesmo assim, na tarde seguinte os jogadores outra vez lhes entregam o apito. E ele aceita de novo e de novo.
Um dia desses, vi dois jogadores saírem no tapa. Porrada feia mesmo. Depois de uma pequena troca de impropérios, os caras levantaram os punhos cerrados à altura do rosto e passaram a fazer movimentos como o de pugilistas profissionais. Depois se agarraram e rolaram pelo piso sagrado.
Tudo foi muito rápido. A briga não durou nem dois minutos. Logo os brigões foram separados e expulsos da pelada. Cada um foi para um lado, cercado pelos respectivos amigos. Pensei que a coisa, depois, poderia piorar. Mas ficou nisso mesmo. E na pelada seguinte o fato já parecia superado.
Eu diria que sou um espectador privilegiado da pelada do Mucuripe. Por esses dias, entretanto, dado a quarentena, a pelada está suspensa. No lugar dos jogadores só cadelas no cio e cachorros vadios aproveitando o espaço para a sua cópula. Da janela agora meus olhos fitam o campo vazio!