Jogando na chuva

As maiores peladas do meu tempo de menino foram aquelas sob chuvas torrenciais. Bastava uma nuvem mais pesada aparecer no horizonte e a minha turma de peladeiros já corria pra convocar o dono da bola. E quando ele estava gripado, que ficasse em casa e emprestasse o objeto do culto.

Muito mais do que fazer jogadas de efeito, dribles desmoralizantes ou tabelinhas com os parceiros habilidosos, o que valia era o chutão pra frente (ou para o lado em que o nariz estivesse apontando). Pelada na chuva não era para os cracaços. Os caneludos é que costumavam se sobressair.

Conduzir a bola grudada aos pés era quase impossível. Aqui e ali, as poças d’água faziam o papel de zagueiros, brecando o sujeito que teimava em carregar a bola por alguns metros do gramado. Na época, mesmo nos campos tidos como oficiais, não existia ainda esse negócio de drenagem.

Pelada com o campo seco não tinha a graça dos dias em que a grama ficava escorregadia. Até a lama, principalmente no lugar onde o goleiro exercia o seu ofício, dava um toque de “charme” aos peladeiros. Entrar naquele lugar sagrado era quase sinônimo de sair todo enlameado. Rsrs.

Quase todo mundo, a propósito, possuía um calção só para usar nos dias de chuva. Alguns desses calções, de tanta lama, postos nos varais para secar depois de muito mal lavados, jamais voltavam a ostentar a textura original do tecido. No uniforme dos peladeiros só cabia mesmo um calção.

Das peladas com o sol a pino, eu lembro poucos lances ou jogadas. Já das peladas dos dias de chuva, muitos detalhes permanecem bem vivos na minha memória, mais de quarenta anos depois dos fatos. Lembro até que foi numa pelada na chuva que um dia eu arrisquei o meu primeiro carrinho.

Esse tal carrinho aconteceu numa pelada depois da aula de educação física, num campinho que ficava atrás do Colégio dos Padres, na Av. Epaminondas Jácome, onde hoje está plantada a Galeria Meta. Ao meu primeiro carrinho seguiu-se uma confusão que fez acabar a brincadeira.

Não tinha jeito de a pelada continuar. Afinal, jogador de muito pouca técnica como sempre fui, em vez de acertar a “deusa branca” (naquele dia ela era marrom) o que eu acertei foram as canelas do adversário, um sujeito maior do que eu, chamado Zé Maria. O tempo fechou e a pelada acabou!

É isso, leitores: o tempo fechou, a pelada acabou e o espaço para a crônica seguiu o mesmo destino. Falei que falei e não disse quase nada. Esse texto lembrou os velhos dias das bolas encharcadas: só chutão, linhas tortas, muitas quedas, ideias retorcidas e o calção completamente sujo de lama!