No futebol, assim como na vida, a gente só costuma ver o que está mais evidente. Raras são aquelas criaturas que ficam sabendo o fato ligeiramente anterior ao acontecido, aqueles lances ocultos que contribuem diretamente para desencadear o que se apresenta diante dos olhos de todos.
Fiquei pensando nisso por conta de um fato acontecido no futebol acreano, no início da década de 1980, num jogo entre o Vasco da Gama, glorioso Almirante da Fazendinha, e o Rio Branco, não menos glorioso Estrelão. Jogo duro, com o pequeno Vasco enrolando o poderoso adversário.
Aconteceu que, lá pelas tantas, aparentemente sem mais nem menos, o zagueiro Iracélio, do Vasco, acertou um direto na cara do atacante Gil, do Rio Branco. Com o nariz quebrado, o Gil teve que sair direto do campo para o hospital. Já o Iracélio, além da expulsão sumária, pegou um ano de gancho.
Até um dia desses atrás, ficou a impressão, para quem estava nas arquibancadas no dia daquele jogo, que o Iracélio, que sempre foi tido como um zagueiro extremamente duro, daqueles de não deixar atacante se criar na sua frente, simplesmente havia pirado por não dar conta de marcar o Gil.
Eis que, então, no meio dessa semana, via rede social, um internauta, ao ver uma foto antiga do Vasco, com o Iracélio na formação, lembrou o tal lance. Segundo esse internauta, o Iracélio teria desferido a porrada na cara do atacante Gil atendendo ao grito de alguém que estava fora do campo.
O comentário do internauta ensejou uma resposta do Iracélio explicando o que havia sucedido naquele dia. Segundo o ex-zagueiro, o que aconteceu foi que o Gil usou um expediente pouco ortodoxo para imobilizá-lo numa disputa de bola pelo alto, aplicando-lhe uma violenta “dedada”.
A “dedada”, registre-se, que era o ato de enfiar o “dedo pai de todos” no “fiofó” dos outros, deixava a vítima totalmente sem ação. E foi isso o que aconteceu. Paralisado pela “dedada”, o zagueiro Iracélio ficou totalmente exposto. Aí o Gil saltou sozinho para cabecear para dentro do gol do Vasco.
Pra completar, de acordo com testemunhos dos demais zagueiros do Vasco, que estavam acompanhando o lance de perto, o Gil, que era paranaense, ainda saiu tripudiando, chamando tanto o Iracélio quanto os acreanos de tudo o quanto não presta. “Raquítico, bunda mole…” etc. e tal.
Quem estava longe, sentado nas arquibancadas ou agarrado nos alambrados, evidentemente, não tinha condição de ver nada do que aconteceu, os tais lances ocultos antes do desfecho do fato. E assim, não vendo, a única evidência que ficou foi a agressão do zagueiro no atacante.