Entre a região alta da cidade de São Paulo e o rio Tietê instalaram-se muitos imigrantes de diversas origens, como os italianos. Isso era fim do século XIX. Ali, com alguns poucos residentes nativos, alguns prosperaram próximos a recém-instalada Estrada de Ferro Sorocabana que ligava o interior do Estado à capital.
O processo de desenvolvimento daquela região, onde hoje se encontram os bairros Bom Retiro e Barra Funda, incluía a formação de associações esportivas e sociais voltadas ao entretenimento daquele novo núcleo urbano de imigrantes (e depois seus descendentes), onde a prática de futebol tinha significativa participação – o esporte acabara de chegar ao País e crescia rapidamente.
A Associação da Atlética Anhanguera, que em 2018 completa 100 anos, surgiu desse movimento. Agora, o clube ganhou um livro dedicado ao início de sua trajetória que se confunde com a história do futebol de várzea na capital paulista.
A obra “Futebol de Várzea de São Paulo – A Associação Atlética Anhanguera (1928-1940)” (Alameda Editorial) é fruto de uma dissertação em História na USP de Diana Mendes Machado da Silva – hoje ela é doutoranda de História Social na mesma universidade; a acadêmica possui formação complementar na Universidade Paris V e Collège de France.
O livro mostra a ocupação dessa histórica área na capital paulista, seu crescimento e o modelo encontrado pelos seus moradores para seus festejos e eventos sociais e esportivos. O trabalho explica como o futebol se tornou o centro de integração desses grupos associativos.
O livro centra ainda nas relações mantidas pelas associações com a vida cotidiana e a heterogeneidade que foram adquirindo ao longo do tempo, fruto da própria formação da cidade – ou a babel em crescimento. O trabalho vai mais além e expõe a opção de manter o futebol eminentemente amador – como foi o caso do Anhanguera, contrapondo a outros que acabaram se profissionalizando e tornando-se clubes globais, como Corinthians, São Paulo e Palmeiras.
As discussões nesse ponto revelam uma disposição associativa de se manter ligada ao bairro de origem, ao futebol de várzea, suas festividades socioculturais voltadas eminentemente à comunidade que sustentava a agremiação e tinha (e tem) papel aglutinador imensurável.
O trabalho relata ainda o papel da imprensa na divulgação do futebol de várzea à época – a ocupação de áreas próximas ao rio Tietê o definiam como tal – e importância na criação de sua identidade.
Trecho da obra conta até como os bares se tornaram elementos de sociabilidade local. Os nomes dos citados são autoexplicativos: “Fecha Nunca”, “Nunca Fecha” e “Sempre Aberto” – os três se revezavam para atender a clientela.
“É o primeiro trabalho de porte sobre um clube de várzea, com todos os seus laços associativos, com a cidade de São Paulo daqueles tempos como pano de fundo. É um livro de história, sociologia, imigração e, acima de tudo, poesia no sentido emocional. Diana espanou a poeira antiga do terrão, trazendo luz para um dos essenciais pilares da cultura paulistana”, resume a obra Arthur Tirone, diretor social do Anhanguera, considerado historiador informal do clube e membro da terceira geração de uma das famílias tratadas como referência no livro.