A Premier League recomeçou com mais de R$ 15 bi negociados somente em direitos de televisão com transmissão para cerca de 200 países – trata-se do campeonato de futebol mais assistido no mundo.
Liga bilionária, a seleção inglesa, por outro lado, só ganhou um título importante na história: a Copa de 1966. Nunca conquistou a Eurocopa. Mas isso hoje não tem a menor importância por lá.
Enquanto clubes discutem com a TV Globo a crise no futebol brasileiro, torcedores criticam preços dos ingressos pós-Copa, jogadores reclamam do calendário, cartolas tramam nos bastidores como protelar dívidas e a CBF centraliza poder, no país que inventou o futebol todos esses temas já foram superados. Lá, o que fala mais alto é a grana, ponto final.
Desde que a Premier League foi criada, em 1992, a televisão tem prioridade em escolher o dia e horário dos jogos. E as emissoras podem definir isso com poucos dias de antecedência, sem se preocupar se estão ou não prejudicando torcedores que programaram viagem para ver seu clube do coração jogar fora de casa. Os estádios novos na terra da rainha, com arquibancadas em quatro blocos (parecendo uma caixa de sapato) muito próximas do gramado e campo pequeno, foram feitos para transformar o espetáculo mais atraente à TV.
Os preços dos ingressos são escorchantes. Mesmo assim é difícil adquiri-los – muito compram partidas para a temporada inteira. Um preço de tíquete para assistir um jogo do ex-time do goleiro Júlio César, o meia-boca Queens Park Rangers, custa quase 100 reais. Ainda assim, a média de público do campeonato inglês é altíssima.
Estrangeiros são donos de clubes. A agremiação é tratada como uma empresa que visa lucro 24 horas por dia. Experiências com investidores de fora, como no Corinthians (que tinha o laranja podre Kia Joorabchian), são comuns em território inglês em várias divisões do futebol. Por conta desse domínio financeiro, às vezes inescrupulosos, torcedores criaram dezenas de clubes de futebol para não deixar que a paixão fosse sobreposta aos interesses meramente mercantilistas. Muitas equipes inglesas caminham para os 150 anos de existência, rompendo tradições seculares que nem sempre agradam.
Grandes empresários de clubes interferem nas escalações. Felipão quando treinou o Chelsea sentiu isso na pele. Acaz Fellegger, seu assessor de imprensa — que circulou na Copa do Mundo no Brasil com um crachá das Organizações Globo embora não tivesse claro seu trabalho para a emissora —, costuma citar que o russo dono do time, Roman Abramovich, adorava depois dos jogos do campeonato inglês pegar seu avião particular e ir jantar em Paris acompanhado do jogador alemão Michael Ballack, um dos atletas que fritaram o técnico gaúcho no time porque ele não o tratava como queria.
A violência da torcida é fichinha em relação ao Brasil. Os hooligans ainda existem, mas é quase passado depois que criaram uma polícia especializada para conter distúrbios em partidas de futebol. Por aqui, se morre com muito mais facilidade em rixa entre torcidas – que o diga a família do palmeirense morto depois de espancado em uma estação de trem por corintianos (incluindo um vereador); apenas para citar um caso de poucos dias atrás.
Livro
A obra lançada recentemente “A rainha de chuteiras – um ano de futebol na Inglaterra”, de Marcos Alvito, historiador e doutor em antropologia, que também já escreveu livro sobre história do samba, dá um panorama amplo do futebol inglês e seus clubes – o autor acompanhou uma temporada de futebol no país assistindo dezenas de partidas. Um relato brilhante de assuntos que aqui trato nesse texto agregados com outros dados atualizados e de minha vivência de três anos na Inglaterra.
Na obra, ele conta que o fato da Premier League ter muito atletas estrangeiros – clubes ingleses já chegaram a entrar em campo sem jogadores locais (inclusive no banco de reservas) – é um dos principais motivos inibidores de formação de craques no país. No Mundial do Brasil, a Inglaterra foi desclassificada na primeira fase – na África do Sul caiu nas oitavas.
Um fiasco, se é que clubes ricos, jogadores bem pagos e emissoras de televisão com elevada audiência se importam com isso. E até mesmo os torcedores – aqueles sem dinheiro para ir ao estádio já se conformaram há tempos em ir ao pub assistir as partidas da Premier League.
A festa do futebol para os ingleses começa agora e dura um ano.
Augusto Diniz