Fazia muito tempo que eu não assistia a uma partida de futebol num espaço público, muito menos com um grande número de pessoas em volta. Prefiro assistir sozinho, na sala da minha casa ou no meu quarto de dormir. Isso porque a multidão, não raramente, costuma distrair a minha atenção.
Terça-feira passada, entretanto, aproveitando a estada em Fortaleza do professor Mustafa Itani, juntamente com a sua família, resolvemos testemunhar o jogo do Brasil contra a Venezuela numa churrascaria. Faríamos o social, comeríamos uma picanha e ainda assistiríamos ao jogo.
Chegamos ao local cerca de dez minutos antes do início do confronto. Foi difícil conseguir uma mesa. Mas, no fim das contas, com alguma ginástica e a cumplicidade de um garçom, mediante um incentivo, conseguimos ficar numa posição estratégica, bem na frente de um telão.
A expectativa que se lia nos rostos e sorrisos mais ou menos bêbados em volta era a de que a seleção brasileira iria aplicar uma daquelas goleadas arrasadoras. Afinal, tratava-se do Brasil de Tite, invicto até então nas últimas três partidas, contra a lanterna Venezuela de Nicolás Maduro.
Pelo menos, se não de goleada, ninguém no ambiente sequer tinha alguma pequena dúvida de que o Brasil não fosse ganhar. Não importava que Neymar não pudesse entrar em campo, por conta de uma suspensão… Nem precisava uma bola. Bastava o rebolado e o tamborim para o samba!
Surpreendentemente, acabei me concentrando bem mais do que eu poderia ter imaginado. O jogo começou e o burburinho em volta foi ficando distante, mais ou menos como um sopro daqueles ventos agradáveis, mas quase imperceptíveis. Até a voz do Mustafa me chegava de muito distante.
E então, eis que o prodígio aconteceu. O jogo a rolar leve e solto, o goleiro da seleção “vinho tinto” optando pelo lance errado, Gabriel Jesus interceptando o passe entre os zagueiros, dando um toque sutil e criando uma obra de arte… Uma daquelas pinturas dignas da época renascentista!
Não resisti e pedi uma garrafa de vinho. Vinho tinto, sim, como a camisa venezuelana. Eu era o motorista da rodada e sabia que não podia ingerir nada com alguma quantidade de álcool. Mas mediante a apreciação e testemunho daquela parábola desafiadora da gravidade, às favas a lei.
O Brasil depois fez mais um golzinho. Para minha sorte, na volta para casa não topei com nenhuma blitz de trânsito. Já na madrugada, me sobreveio a dúvida se o gol do Gabriel Jesus teria sido mesmo uma pintura ou um milagre. O cara tem nome de santo. E para Jesus tudo é possível!