Politicamente incorreto

Eu comecei a frequentar estádios de futebol na adolescência. Era uma época em que valia (quase) tudo para tentar desestabilizar os jogadores adversários, desde jogar sacos com algum líquido mal cheiroso até atacar a hombridade dos ditos cujos, duvidando da masculinidade dos sujeitos.

Árbitros e bandeirinhas, então, esses eram as vítimas preferidas. Atacados pelas duas torcidas, quem mais sofria era a mãe das citadas criaturas. A coisa era tão feia que se dizia que as equipes de arbitragens tinham duas mães: uma que ficava em casa e a outra que ia para o estádio.

E não raro, depois de bastante xingados, tanto árbitros quanto bandeirinhas e jogadores revidavam aos insultos. Às vezes, estes jogavam de volta para as arquibancadas o que os torcedores atiravam para dentro do campo. E às vezes respondiam com gestos obscenos… Cotocos e bananas!

Eram tempos deveras perigosos, de muitos excessos. Escreveu não leu, o pau comeu. Quem fosse podre corria o sério risco de se quebrar. Para quem era de paz, o negócio era ficar bem longe das chamadas torcidas organizadas, local onde a turba se tornava mais agressiva e sem pudores.

Enquanto escrevo me vem à mente dois exemplos de como o futebol era perigoso até, por aí, a década de 1980. Ambos os casos aconteceram no Acre. O primeiro, num jogo do Copão da Amazônia, entre o Juventus e um time do Amapá. O segundo foi num jogo entre o Juventus e o Atlético.

No jogo pelo Copão, um jogador do time amapaense acertou uma cotovelada no cracaço do Juventus, o Dadão. Foi o suficiente para a torcida ensaiar uma invasão do campo para linchar todo o time do agressor. A coisa ficou tão feia que o clube do Amapá decidiu abandonar a competição.

No jogo entre Juventus e Atlético, num campeonato acreano, irritado com a bola de um atacante chamado Airton (do Juventus), um torcedor do Galo acertou uma tijolada bem na cabeça do dito cujo. Airton caiu desacordado em campo e permaneceu com sequelas até o final da vida.

Ninguém, naturalmente, aprovava essas manifestações mais, digamos, contundentes. Tratava-se, é claro, de um comportamento de bárbaros. Mas quanto aos xingamentos à mãe dos árbitros e aos ataques à masculinidade dos atletas, isso era compreendido como elementos de uma catarse coletiva.

Os tempos modernos, porém, são outros. Se alguém jogar qualquer coisa no gramado dá uma cana braba. As mães dos árbitros saíram da zona de prostituição para altares dourados. E sugerir que algum jogador não é chegado ao sexo oposto, vira um processo federal. São outros os tempos!