O tempo veloz e a sucessão dos fatos cotidianos não permitem que nos lembremos constantemente de todo mundo que fez parte da nossa vida. E então, de vez em quando, a partir da fala de alguém, nos damos conta de determinadas figuras que estavam escondidas no fundo da nossa memória.
Foi o que aconteceu comigo quando eu estava lendo, em dezembro do ano passado, o mais novo livro do advogado, doutor (com doutorado, viu?), flautista, poeta, escritor, memorialista, rebelde com causa (e mais um tanto de coisas que não comportariam num mero parágrafo), João José Veras.
Foi lendo as magníficas páginas desse livro do João Veras que eu lembrei de três figuras do bairro da Capoeira (onde o João e eu passamos boa parte da nossa adolescência) que eram personagens de uma pelada de todas as tardes, fizesse chuva ou sol, nos fundos do vetusto Estádio José de Melo.
Falo do goleiro Paulo Coceira, que na descrição do João fazia halterofilismo “só para a parte torácica e não para as pernas – ficou grosso em cima, fino em baixo”; o ponteiro Zé da Porca, cujo apelido o querido autor não justificou; e o coringa Pirra, que sofria de TOC, segundo o João.
O Paulo Coceira era um dos primeiros a ser escolhido no par ou ímpar que escalava os bandos que se enfrentariam na pelada. Não que ele fosse um primor de jogador. Mas pelo fato de que ele, não tendo nenhuma aptidão para chutar uma bola, já chegava ao campo vestido com uma camisa de goleiro.
O outro goleiro de posição cativa se chamava Capelão, apelido do bancário aposentado e ex-árbitro de futebol Antônio Moreira, coincidentemente, como o Coceira, morador da Travessa Maria Amélia (eu morava na Travessa Felisbela do Nascimento, mais à frente no bairro).
Ser goleiro na pelada era um fator que dava às criaturas o privilégio de jogar o tempo todo. Nunca ficavam “na cerca”. Isso porque os goleiros de verdade, aqueles que defendiam times “federados”, casos do Tranca Rua (do Floresta) e do Pituba (do Andirá), estes só queriam saber de jogar “na linha”.
O Tranca Rua, cujo nome de batismo era Moacir Conde, queria mais era ser atacante. E ele até que, apesar de não ser nenhum virtuose, tinha alguma técnica e fazia os seus golzinhos (a maioria “na banheira”). E o Pituba, apesar de ser destro, gostava de ocupar o posto de lateral-esquerdo.
O livro do João é um poço de recordações e nostalgias para quem viveu no bairro da Capoeira na década de 1970. Qualquer dia eu fujo das páginas e conto mais histórias (ou “Istórias”, como o João chama a sua trama) “do povo do lugar”. E falo mais sobre o Zé da Porca e o Pirra!