Eu não lembro muita coisa dos anos da minha infância. Acho que ninguém (ou quase) é capaz de reter na memória a maioria das coisas vivenciadas. O que eu lembro são flashes, fragmentos, imagens soltas e, a essa altura, já em plena terceira idade, só os fatos que mais me impactaram.
Algumas lembranças impactantes permanecem bem vivas à distância no túnel de um tempo que se afasta a cada instante, ainda que as situações à época parecessem insólitas (talvez por isso). Lembranças como os três carnavais que movimentaram, em 1962, as ruas de Brasileia, onde eu nasci.
Em março daquele ano, as artérias da pequena cidade do interior do Acre se encheram de foliões para os festejos de Momo. Eu tinha cinco anos e me causou muito estranhamento ver tanta gente bêbada, principalmente um bando de homens de lábios sujos de batom e vestidos com roupas de mulher.
Lá pelas tantas, acho que na tarde do último dia da festa, caiu um pé d’água daqueles de fazer até sapo se acorrentar em algum poste de concreto. Eu e a minha família tivemos que passar horas abrigados sob uma marquise da rua principal. Ainda assim me molhei todo e peguei uma gripe federal.
O pessoal do meu núcleo familiar foi quem me explicou que aquilo se chamava carnaval e que acontecia somente uma vez por ano. Mas aí, para minha surpresa, alguns meses depois, em junho, toda aquela explosão de alegria e loucura tomou conta novamente das ruas da cidade fronteiriça.
Outra vez as explicações vieram dos mais velhos. Tratava-se de um carnaval “fora de época” (a expressão só surgiu anos depois), por conta da conquista da Copa do Mundo pelo Brasil. Era a segunda vez que o país vencia a Copa, mas no torneio anterior eu nem havia completado dois anos.
Dois carnavais no mesmo ano parecia um limite total e absoluto para tanta festa em tão pouco tempo. Certamente eu não pensei nada disso, levando em conta a minha idade. Mas acho que esse deve ter sido o pensamento dos adultos. Se pensaram assim, entretanto, eles se enganaram.
Eis que em agosto, pra variar, que ninguém é de ferro, mais uma vez as ruas de Brasileia foram tomadas por uma galera “cheia do chá”, com muita cachaça Cocal e cerveja boliviana Paceña na cabeça. Motivo: o primeiro título de uma Copa Libertadores por um time brasileiro, o Santos de Pelé.
Pois foi isso o que aconteceu naquele ano de 1962, em Brasileia (e no resto do país, creio): três carnavais. São as minhas maiores lembranças (talvez as únicas) daquele ano. Se teve alagação naquele ano? Isso eu não lembro. Se teve pandemia? Não, não teve. Mas aí já são outras histórias.